Para
ser grande, sê inteiro: nada teu exagera
ou exclui.
Sê todo em cada coisa. Põe quanto és no mínimo que fazes.
Assim em cada lago a lua toda brilha, porque alta vive”. F. Pessoa
Sê todo em cada coisa. Põe quanto és no mínimo que fazes.
Assim em cada lago a lua toda brilha, porque alta vive”. F. Pessoa
Antes de pensarmos na
leitura do provérbio latino citado acima, gostaria de dizer que a águia é um
dos animais mais fabulosos na natureza. Suas qualidades físicas surpreendem
qualquer um que as conheça. A visão apurada, sua força e habilidades de caça
são fantásticas. Águias caçam e pescam, com uma precisão incrível, presas muito
grandes, realmente desafiadoras - circulou durante algum tempo um vídeo em que
uma águia com quase dois metros de envergadura capturou um filhote de carneiro
montês – mas isso tudo ainda não é o que mais impressiona nesses animais.
Quando uma águia põe mais
de um ovo, assim que o primeiro filhote aparece, a águia descarta imediatamente
o outro ovo. Caso dois filhotes surjam ao mesmo tempo, ela sacrifica o mais
fraco para alimentar o mais forte.
Cuidado! Essa
característica da águia pode sugerir que nossos filhos não sejam exatamente
nossos descendentes, podem ser projetos e sonhos que nutrimos durante a vida,
nesse caso, sim, é importante saber sacrificar coisas menos importantes para
garantir a sobrevivência das grandes – a
tarde de descanso ou a companhia dos amigos pode muito bem dar lugar a um bom
estudo que antecede uma tarefa sob nossa responsabilidade.
Voltando às águias, há
uma história de uma espécie desse animal que em determinada época de sua vida
executa um ritual assustador. Essa espécie alimenta-se bem e recolhe-se numa
espécie de exílio, no qual ela arranca as próprias penas, as garras e, por fim,
quebra o bico contra uma rocha, e espera... O quê? Depois desse suplício
doloroso, o que pode essa ave esperar de sua vida?
Ela vai esperar que novas penas,
novas garras e um novo bico cresçam e dessa forma ela terá mais um ciclo de
vida com força total para manter-se viva com qualidade. Surpreendente, não?
Quem tem a coragem de
quebrar todas as suas ferramentas, todas as suas armas de combate? Quem aposta
que ao perder tudo, tudo lhe será restituído como antes era? Quem de nós
consegue abrir mão das fórmulas que deram certo, embora perceba que estas
mesmas fórmulas estão desgastadas e produzindo menos do que costumavam
produzir?
A história que relatei
pode muito bem ser uma mentira. Nunca vi uma águia dessas, nunca assisti a esse
fenômeno, muito menos presenciei sua recuperação. Mas adoraria que fosse
verdade, pois essa história é motivadora, inquietante, um desafio para a nossa
percepção. Talvez, no meu íntimo, eu admire a coragem dessa águia ao apostar
num futuro incerto.
Vamos voltar ao título
desse capítulo e pensar o provérbio “Águias não caçam moscas”. Quem é a águia,
senão aquela que se movimenta acima do que procura, acima do que necessita?
Passou a vida inteira treinando para não desperdiçar um ataque. E,
principalmente, não desistiu quando falhou, pois a continuidade do esforço era
a garantia da continuidade da própria vida.
Se de seus esforços
depende sua existência, o melhor é procurar por algo que valha a pena. Moscas
não poderiam nutrir uma ave tão grande quanto a águia. Mesmo que pudesse e
quisesse caçar moscas, certamente as moscas não exigiriam dela todo seu
potencial, todo o seu desempenho.
Não duvide que na caça há
a satisfação de se ter vencido com o esforço próprio um prêmio merecido. Um
documentário sobre leões africanos revelou que um leão tem pouca habilidade em
atacar uma zebra se ela estiver caída, afinal ele aprendeu a vencer sua presa
sob condições que exigem força, agilidade e precisão.
Todos nós já tivemos a oportunidade
de conhecer alguém com essas características. Desde a criança que quer alcançar
um brinquedo sem a ajuda dos pais, até o jovem estudante, cheio de brio, que
prefere uma nota menor como resultado de um trabalho honesto ao 10,0 obtido
mediante a fraude da cola.
Ser como as águias
implica aceitar e promover mudanças radicais em nosso modo de viver e de
pensar. Há mais ou menos dez anos antes
de escrever esse livro, fui aprovado em um concurso público para um cargo no
judiciário. Isso me animou muito, pois o salário era bom e a garantia do
emprego público estável preenchia uma lacuna de incertezas quanto ao meu futuro
profissional.
Mas tudo virou pó.
Esperei durante quatro anos pela tão sonhada vaga, que não veio. O prazo de
contratação expirou exatamente quando eu era um dos cinco próximos a serem
convocados. Foi um dia triste. Achei que havia perdido a grande chance de minha
vida. Hoje, porém, estou certo que essa perda exigiu que eu me acostumasse a
viver com tranquilidade as incertezas que o futuro nos dá como única garantia.
Parte da nossa serenidade
- curiosamente sinto que essa palavra está tão em desuso! – parece se formar
não a partir de certezas, mas da consciência tranquila de que não há nada de
ruim nas incertezas, pois essas mesmas angustiantes incertezas nos fazem ativos
e sensíveis às mudanças que certamente virão.
Um caso desses eu
presenciei quando um índio xavante dava uma espécie de entrevista a alunos dos
cursos de História e Psicologia na Unesp, no campus de Assis-SP. Quando perguntado
por que os índios não se preocupam em deixar bens ou posses aos seus filhos, o
índio respondeu tranquilamente que não havia motivo para essa preocupação
porque a terra havia garantido a existência de seus avós e de seus pais, tanto
quanto garantia a sua própria existência. Daí que não há razão para se pensar
que a terra não daria meios de sobrevivência a seus filhos.
Simples assim. Aliás,
quando perguntado se deixaria uma casa para ajudar seus filhos a começar a vida
adulta, o índio disse que nada o faria tirar de seu filho o prazer de construir
sua própria casa. Caso a se pensar.
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