terça-feira, 27 de novembro de 2012



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Capítulo  4 – De onde vem a ideia de bom ou ruim?

“O que não é Deus, é estado do demônio. Deus existe mesmo quando não há. Mas o demônio não precisa de  existir para haver”.G. Rosa
                                                                                                                         
O pensamento maniqueísta norteia a realidade da maior parte das pessoas. É maniqueísta todo aquele que partilha da concepção do mundo dividido entre o Bem e o Mal. De um lado estão Deus, a luz, a verdade, a bondade e a alegria. De outro estão o Diabo, as trevas, a mentira, a maldade e a tristeza. Dito assim parece muito fácil decidir o que se quer. Ou se está na galeria das pessoas boas ou corre-se o risco de ir para o fogo eterno.
Convém lembrar alguns riscos que essa concepção oferece àqueles que querem respostas simples e diretas para seus questionamentos.
Primeiramente, nem todo aquele que faz o bem tem plena consciência disso, uma pessoa boazinha pode ser simplesmente alguém que prefere não dizer o que pensa, nem discordar dos que a cercam, para garantir uma área de segurança e estabilidade emocional.
Também seria ingênua a ideia de que toda pessoa que nos desagrada é mal intencionada. Pode ser que uma sincera preocupação em relação a nós a obrigue a nos dizer verdades que preferiríamos não ouvir. O grande orador do Barroco, Padre Antônio Vieira, afirmou certa vez que quando saía feliz depois de uma missa, isso era porque o padre só havia dito o que ele queria ouvir. Se padre falasse o que ele devia ouvir, ele ficaria triste consigo mesmo, pois perceberia o quanto estava distante daquilo que Deus espera dos homens.
Talvez os dias melhores que tanto queremos possam se tornar reais a partir de uma mudança de perspectiva em relação ao que vivenciamos diariamente. Quem aponta nossos limites e imperfeições pode até não gostar de nós, mas certamente está prestando um grande serviço ao nos indicar caminhos para sermos melhores.
Invertendo as posições, comumente nos vemos aconselhando as pessoas para que seus problemas sejam sanados, obviamente sem sucesso, pois ninguém escuta senão a própria voz, que pode simplesmente coincidir com nossos conselhos. A história registra um dos mais sábios provérbios quando diz que “Se conselho fosse bom, não se dava, seria vendido.”
Decorre dessa circunstância um motivo claro para algumas das frustrações: Ninguém nos ouve, e depois acabam tendo problemas que seriam facilmente evitados com nossos “sábios” conselhos. Há duas grandes verdades a se considerar quando nos vemos diante de situações como essa.
Todas as pessoas tendem a melhorar na medida em que ficam mais experientes, mesmo que essa evolução seja lenta e por vezes irritante, cada um amadurece no seu ritmo, e não é nossa responsabilidade a evolução do outro. Entenda-se aqui que podemos e devemos ajudar quem quer ser ajudado, apenas não leva a nada nos importarmos com quem não se importa consigo mesmo.
Uma segunda consideração é a de que somos criados para vencermos e sermos adorados por todos. Ficamos muito deprimidos quando percebemos que alguém não gosta de nós. Ora, admitir que não podemos agradar a todos é um raciocínio saudável e construtivo, afinal, tudo o que desejamos é ter a liberdade de gostar do que e de quem mais nos apraz. Em resumo, quem não é exatamente um fã pode mesmo assim contribuir para nosso crescimento individual.
Finalmente cumpre lembrar que na cultura chinesa há um símbolo elementar para uma melhor compreensão dos elementos que se opõem na configuração geral do mundo, das sociedades e dos homens:
 Yin-Yang
As oposições se interpenetram revelando as diferenças, o dinamismo e o equilíbrio entre os elementos. Por extensão, podemos avaliar os fatos entendendo a princípio que tudo deve ser pensado enquanto parte de um todo que precisa de equilíbrio. Fatos negativos, que nos frustram, fazem parte de um universo de possibilidades no qual nada pode ser descartado, nada é verdadeiramente inútil.

segunda-feira, 12 de novembro de 2012





Capítulo 3 – E se não der certo? De quem é a culpa?
 “A principal e mais grave punição para quem cometeu um erro está em sentir-se culpado”. Sêneca
                                                                                                                                 
Talvez a palavra mais tenebrosa, sombria e devastadora na mente de uma pessoa de bem seja a palavra culpa. Ela garante que o erro se perpetue como principal preocupação. Não se tenta mais acertar, mas tenta-se desesperadamente não errar.
Sempre procuramos ver onde erramos e não onde acertamos por razões simples: é culpa do erro as coisas não darem certo. E acreditamos verdadeiramente que quando algo vai mal isso é ruim, sem nos darmos ao menos a oportunidade de refletir sobre o porquê das coisas não acabarem como desejamos.
Há algo mágico que não percebemos naquilo que não se realiza. Um antigo dito oriental diz que Deus é tão sábio que nem sempre nos dá o que pedimos, mas o que precisamos. Imaginemos se fôssemos atendidos quando rezamos a oração do Pai Nosso,  especialmente no trecho em que se diz “Perdoai as nossas ofensas, assim como nós perdoamos a quem nos tem ofendido”. Se Deus nos atender e nos perdoar da mesma forma como perdoamos a quem nos ofende, estaremos condenados para sempre.
Quem de nós perdoa, na mesma proporção em que deseja ser perdoado?
Por mais que se procure, não se encontrará uma só pessoa que não queira ser feliz e fazer as coisas certas. Quem acaba infeliz, errou tentando acertar. Não acertou porque não estava pronto para isso, e acabou parando no erro, sem tentar de novo. Fracassar  custa muito caro, nossa autoestima, nossa imagem, nossas emoções, tudo padece quando falhamos, temos a nítida impressão de que refazer é impossível.
As famosas pastilhas cerâmicas imantadas, que fazem os trens flutuarem sobre os trilhos,  foram testadas em centenas de fórmulas diferentes. De todas as tentativas, só uma funcionou. As outras foram arquivadas para os cientistas nunca se esquecerem de como não acertar.
A ideia de culpa está ligada à expectativa que temos em relação aos outros  e a nós mesmos. Esperamos que todos entendam o que somos, o que queremos e o que fazemos. Custa muito admitir as falhas dos outros e principalmente a nossa. Se os erros forem considerados o fim da linha, então as coisas se complicam muito.
Empresas vão à falência e casamentos são destruídos especialmente porque alguém tem alguma culpa, sempre temos o responsável por tudo acabar mal, não importando o quanto a pessoa foi verdadeira em suas boas intenções.
A maioria das pessoas já se dá por satisfeita se descobrir quem errou e como errou. Geralmente as pessoas param no erro, sem repensar o que levou ao erro e que poderia conduzir a uma ação mais acertada.
Uma recente pesquisa de dois estudiosos brasileiros revelou algo curioso sobre o sentimento de mágoa. A pesquisa entrevistou centenas de pessoas perguntando o que mais as magoava em seu cotidiano, numa lista de vários itens em que constava, entre outras razões para as decepções, o trabalho, a família, a morte, as guerras e os amores.
Surpreendentemente, os mais jovens colocaram em primeiro lugar o namoro e em segundo lugar a relação com os pais como as principais e maiores razões de suas angústias. Por outro lado, adultos casados colocaram seus filhos como a última causa de seu sofrimento emocional.
Esses dados comprovam dois fatos curiosos: quando jovens,nós temos maior tendência a sofrer nas situações  que implicam proximidade afetiva e alto grau de expectativa, no caso dos nossos pais e das pessoas com quem nos relacionamos afetiva e ou sexualmente. Esperamos muito das pessoas mais íntimas por julgarmos que elas têm a obrigação de satisfazer nossos anseios.
Por outro lado, o tempo  e a experiência que os pais têm a mais podem ajudar a perceber melhor a natureza dos conflitos que decorrem das frustrações em relação aos que amamos de forma mais intensa.
Daí chegamos a um ponto fundamental na questão das frustrações e da  culpa decorrente dessas frustrações: É a nossa perspectiva emocional que interfere no julgamento dos fatos e acaba determinando que sejam percebidos como bons ou ruins. Nossa compreensão do mundo e das pessoas é direcionada especialmente pelas nossas emoções, o que não é exatamente mau, mas definitivamente limita o alcance de nossa percepção de tudo quanto acontece ao nosso redor.
Para ilustrar isso, basta lembrar de um fato ocorrido nos anos 80, quando a uma empresa fabricante de bombons encomendou uma pesquisa para saber por que as vendas de seu produto  – uma caixa com bombons de vários tipos – haviam caído. A embalagem, na época, era vermelha.
Depois de um levantamento que incluiu uma pesquisa de preferência, descobriu-se que o produto vendia pouco por causa da embalagem vermelha, que parecia excessivamente feminina para os compradores homens. Trocou-se a cor por azul e as vendas  cresceram.
O problema não estava no produto, elemento mais importante, pois ninguém comia a caixa, mas sim na embalagem. Às vezes o problema não está exatamente no que somos ou queremos, mas na forma como isso é visto pelas pessoas.
Quando adolescente, eu já trabalhava e tinha dinheiro suficiente para bancar meus modestos gastos. Porém um dia, por descuido, fiquei sem dinheiro para pagar uma conta que venceria antes do pagamento e pedi ao meu pai a quantia de que necessitava a título de empréstimo. O que ele me disse foi que eu era irresponsável por não cuidar bem do meu orçamento e que ele não era responsável pela minha desorganização.
Acabou me emprestando o dinheiro, mas fui ameaçado de uma surra caso algum cobrador viesse até minha casa por qualquer que fosse a dívida. Eu tinha 14 anos e odiei sinceramente a rigidez e  rispidez com que fui tratado pelo meu próprio pai, mas hoje penso que esse tratamento não foi diferente daquele que a vida e a sociedade dá aos devedores, além de que, hoje, entendo que a angústia de viver endividado seria muito pior que aquela bronca desmedida para um jovem de 14 anos.
Situações ruins que vivenciamos podem se reverter em noções fundamentais para a manutenção de uma vida mais equilibrada e serena no decorrer dos anos.

sábado, 3 de novembro de 2012


Capítulo 2 – Por que acreditamos tanto no erro?
"O maior erro que você pode cometer é o de ficar o tempo todo com medo de cometer algum."  W. Shakespeare
                                                                                                                  
Crescemos sempre cercados por adultos, familiares ou não, que nos amam muito, ou não. Mas a melhor hipótese, que somos amados por adultos de nossa família ainda não garante que sejamos educados para a persistência, quase todos os adultos que conhecemos já estavam cansados de errar e, pior, temerosos de tentar novamente.
Daí que ,infelizmente, somos criados para considerarmos em primeiro lugar o erro. Não é por mal que as pessoas nos ensinam a desistir de nossos objetivos, é por amor. Apesar de tudo, não mudar pode ser uma forma de garantir a felicidade que situações estáveis proporcionam na maioria das vezes.
Quando começamos a andar e a querer mais do mundo, as frases que frequentemente ouvimos dos adultos são “cuidado, você cai!”, “Aí faz dodói!”, ou a pior de todas “Deixe que eu faço isso para você!” Lembro muito bem que sempre quis poder fazer um mingau ou uma sopinha de leite com pão, mas ouvia sempre aquele “Você não sabe, não vai conseguir!”.
Ora, cair é fundamental para que se possa levantar, a maioria dos “dodóis” pode ser curada e na maior parte de nossas vidas teremos que viver experiências que ninguém poderá viver por nós. É quando percebemos que não saber está intimamente ligado a não conseguir. E passamos muitos momentos acreditando que somos incapazes simplesmente porque não tentar passou a significar uma forma de não sofrer por não conseguir.
Recordo que, numa ocasião , permiti que meu filho de apenas dois anos subisse em uma cadeira sabendo que ele cairia. Depois do tombo, torcendo para não estar errado, limpei suas lágrimas e disse que não há problema em se cair, mas que  levantar é o mais importante. Depois disso percebi que ele não chorava mais como antes, pois na queda o que dói mais é a vergonha que o ferimento que ela causou.
Se depois de nossas quedas nossos pais nos abraçassem ao invés de nos recriminar pelo fracasso do tombo, não teríamos tanta dificuldade em aceitar que errar, na maioria das vezes, pode ser uma boa forma de se chegar ao  certo, com a válida experiência de quem sabe que errar não é o fim, mas uma exigência de uma nova tentativa.
As conseqüências na vida adulta podem ser, e frequentemente são, a busca do mínimo, desde que seja garantido – a vovó já dizia que é melhor pingar do que secar – em oposição ao que está fora do nosso alcance, incerto.
Ainda bem que para remediar a sabedoria da vovó existiu um poeta maravilhoso, Fernando Pessoa, para nos lembrar que “ Triste de quem vive em casa / Contente com o seu lar / Sem que um sonho, no erguer da asa, / Faça até a mais rubra brasa / Da lareira se alevantar”.
Por que arriscar um novo emprego, que exigiria mais de mim, se estou bem empregado e consigo me manter com o atual salário?
Poucas pessoas acreditariam que não trabalham pelo salário que ganham, mas sim pela satisfação que têm com o trabalho que realizam. Já vimos inúmeros exemplos de pessoas realizadas com tarefas mal remuneradas e socialmente depreciadas, mas que fizeram com que sonhos muito ambiciosos se realizassem – caso de um catador de papel no Rio de Janeiro que arrecadou livros usados e implantou em sua comunidade uma biblioteca, com cerca de cinco mil livros – e garantissem satisfação além daquela obtida por muitos empresários e executivos bem sucedidos financeiramente – nos Estados Unidos preocupa o alto índice de depressão entre executivos que se aposentam milionários e frustrados.
São tempos difíceis são aqueles que matam nas pessoas as suas inquietações e os seus sonhos.