quarta-feira, 9 de janeiro de 2013


Esta é a última publicação. Aproveito as férias para concluir esta tarefa. Boa leitura.

Capítulo 10 – Amigos
“A verdadeira amizade é aquela que nos permite falar, ao amigo, de todos os seus defeitos e de todas as nossas qualidades”.       Millôr Fernandes                                                                           

Os amigos merecem um capítulo só para eles. Inclusive em nossas vidas.
É muito difícil definir a importância de um amigo; muitos já tentaram, páginas e mais páginas foram impressas nos mostrando o quanto é importante termos o amigo especial, de todas as horas, para todas as horas.
Normalmente não temos problemas para conseguir amigos, os problemas começam quando convivemos com eles. As amizades à distância tendem a durar mais e a se abalar menos. É no corpo a corpo da convivência que as coisas tendem a se complicar; à medida que as exigências aumentam, a paciência e a boa vontade diminuem.
Esse capítulo não era para os amigos? Sim, todos eles, especialmente aqueles que magoam e são magoados, os que perdem e os que fazem perder, pois isso, afinal não tira deles a qualidade de amigos.
Dias melhores supõem também encarar o fato de que as coisas nem sempre andam ou terminam bem nas relações que mais prezamos.
Quando alguém nos diz que está prestes a se divorciar, deveríamos nos entristecer, pois duas pessoas que se casaram, começaram como amigos, que ficaram tão especiais que decidiram dividir tudo. Descobrir que não são mais os mesmos deve ser uma das suas maiores frustrações, até porque os dois não se desgostam na mesma proporção, sempre sobra um pouco mais de dor para um deles quando tudo acaba.
Por que as amizades chegam ao fim? Por que, quase de repente, desconfiamos que a pessoa deixou de ocupar aquele lugar especial nas nossas mentes e corações?
Lá vamos nós de novo dizer que quando algo falha, ou acaba, ou não funciona mais como gostaríamos, isso não é totalmente ruim, que não há nada que nos obrigue a continuar com o processo, até porque nada é tão ruim que não possa ficar pior.
Entre não gostar mais, não  respeitar mais, não  suportar mais e ofender e agredir, há uma vasta série de limites ou estágios  a serem percorridos. É preferível que se perceba, o quanto antes, que o rumo das coisas pode não ser o melhor, mas infelizmente pode ser o pior.
Vamos por partes. As pessoas começam a se desgostar por razões quase que óbvias. Recorro a Guimarães Rosa para lembrar ao meu leitor um fato bastante verdadeiro para todos: “O senhor… mire, veja: o mais importante e bonito, do mundo, é isto: que as pessoas não estão sempre iguais, ainda não foram terminadas - mas que elas vão sempre mudando. Afinam ou desafinam, verdade maior. É o que a vida me ensinou”. (Grande Sertão: Veredas)
As pessoas mudam. Desde que nascem,  a pele e os olhos – ou o olhar -  e os cabelos. Nós mesmos não nos reconheceríamos se, através de uma viagem no tempo, pudéssemos nos reencontrar quando mais jovens.  Veja como Cecília Meireles explica as mudanças que sofremos no belo poema Mulher ao Espelho:
Mulher ao Espelho

Hoje, que seja esta ou aquela,
pouco me importa.
Quero apenas parecer bela,
pois, seja qual for, estou morta.

Já fui loura, já fui morena,
já fui Margarida e Beatriz,
Já fui Maria e Madalena.
Só não pude ser como quis.

Que mal fez, essa cor fingida
do meu cabelo, e do meu rosto,
se é tudo tinta: o mundo, a vida,
o contentamento, o desgosto?

Por fora, serei como queira
a moda, que vai me matando.
Que me levem pele e caveira
ao nada, não me importa quando.

Mas quem viu, tão dilacerados,
olhos, braços e sonhos seus,
e morreu pelos seus pecados,
falará com Deus.

Falará, coberta de luzes,
do alto penteado ao rubro artelho.
Porque uns expiram sobre cruzes,
outros, buscando-se no espelho.

 É por isso que as pessoas acabam por se desinteressar ou desgostar daqueles para quem juraram, em algum momento, fidelidade e consideração por toda a vida. A maior parte das mudanças nem sempre são intencionais, positivas ou compreensíveis. Há momentos que percebemos com tristeza a mudança em nós e naqueles que amamos.
O fato de as pessoas mudarem com tanta intensidade surpreende  e  assusta. Ainda mais quem convive com elas durante todo o processo de mudança. As mães, por exemplo, demoram muito para compreender e aceitar que aqueles que tanto dependeram dela, de repente julguem-se aptos a viverem sozinhos e enfrentar seus desafios sem a cobertura protetora da mãe.
Quantos filhos recorrem às mães para decidir coisas insignificantes,  o que muito as alegra, pois isso prova que não deixaram de ser úteis. Uma pesquisa recente associou o aparecimento do câncer de mama ao período posterior à saída dos filhos de casa. Nas implicações psicológicas profundas, a  relação é inegável, não há mais necessidade de nutrir, portanto pode perecer. 
Muitos pais sentem-se deprimidos quando seus filhos tornam-se aptos a viverem por si. Ninguém se prepara para deixar de ser importante na vida de ninguém, especialmente quando temos prazer em estar a serviço desse alguém.
Quando as mudanças se dão com os amigos, elas decorrem principalmente da idade, do universo social e até da formação intelectual da pessoa. Um velho colega de infância apareceu-me certa vez, na casa de meus pais, depois de mais de quinze anos que não nos víamos. Ele se tornara andarilho. Sujo, alcoolizado e com lágrimas nos olhos ele me confidenciou que usava drogas desde os doze anos e que, com a morte da mãe, viu desaparecer qualquer chance de uma  tentativa de recuperação. Toninho era o seu nome. Incrivelmente eu vi diante de mim o Toninho da minha infância, do futebol na rua, das tardes em que soltávamos pipas, arrasado e sem perspectivas. Só consegui prometer-lhe que em caso de fome poderia procurar por minha família.
Perdi mais dois amigos que muito considerava. Um deles morreu três meses após o nascimento de seu primeiro filho, num acidente. Foi um velório dos mais difíceis, ele tinha 23 anos, só um ano a mais que eu.
O outro amigo eu perdi, imagino, para a ambição. Ele foi bem sucedido e aos poucos foi trocando os velhos amigos da infância pobre por novos amigos, mais ricos e influentes.
Caro leitor, você também deve ter perdido amigos, ou vai perdê-los. Não existe nada que justifique nossa surpresa quando somos traídos ou abandonados. Isso é um fato tão certo, que o próprio Cristo o vivenciou, traído por Judas e negado por Pedro.
Imaginemos por um momento que alguém, em quem confiamos muito, diga que não nos conhece para poupar-se de um constrangimento. Imagine agora o quanto Cristo sentiu esse fato, principalmente por saber antecipadamente que ele se daria.
Os amigos que ficam são aqueles que suportam bem nossas mudanças e cujas mudanças suportamos bem. A nostalgia dos velhos tempos exige uma boa dose de compreensão.
O que mais impressiona é pensarmos que os amigos que nos  deixam  podem contribuir muito  para nosso crescimento, fazem-nos exercitar a paciência e o autocontrole, a humildade, a tolerância e até mesmo a piedade.
Sofremos muitas vezes porque não conseguimos compreender que a distância que nos separa dos amigos é talvez menor que aquela que nos separa de nós mesmos. O amigo mais caro que perdemos é justamente aquele do espelho, nós mesmos,  quem nós deixamos de ser para nos tornar quem somos. Oswaldo Montenegro nos faz um alerta sereno e triste - talvez menos triste que sereno – sobre as mudanças em sua canção A Lista. Observe:

Faça uma lista de grandes amigos
Quem você mais via há dez anos atrás
Quantos você ainda vê todo dia
Quantos você já não encontra mais...
Faça uma lista dos sonhos que tinha
Quantos você desistiu de sonhar!
Quantos amores jurados pra sempre
Quantos você conseguiu preservar...
(...)
Quantos amigos você jogou fora?
Quantos mistérios que você sondava
Quantos você conseguiu entender?
(...)
Quantas mentiras você condenava?
Quantas você teve que cometer?
Quantos defeitos sanados com o tempo
Eram o melhor que havia em você?
(...)
Quantas pessoas que você amava
Hoje acredita que amam você?

Conheço gente que se envergonha da alegria que tinha e das bobagens que falava. Conheço gente que ostenta hoje uma expressão que nem sonhava ter quando bebia cerveja barata e dividia a conta com mais dois amigos. Conheço gente que insiste em acreditar que ter mais dinheiro pode fazer sua vida ter mais qualidade. Conheço gente triste cuja maior realização é parecer feliz.
De algum modo, ter pensado nisso e considerado a naturalidade com que isso se dá, ajudou muito a respeitar todas as pessoas por princípio.
Acredito que o leitor também conheça gente assim. Talvez agora esteja pensando naquelas companhias agradáveis que se vão rolando pelo tempo do esquecimento.
Precisamos aprender que somos atraídos por ideias e atitudes, talvez até mais que  por pessoas. Gente que admiramos em uma época podem ter se revelado tão distante do que eram que deixaram de importar ou de valer a pena.
Dias melhores vão ser aqueles em que não teremos a pretensão de sermos perfeitos ou de esperar que as pessoas sejam perfeitas. Cuidemos bem das amizades que sobreviverem às inevitáveis mudanças e já teremos feito muito em favor de uma vida mais plena e mais verdadeira.  
O bom jardineiro não é aquele que lamenta as sementes que não germinaram, mas aquele que se alegra com o colorido das flores que conseguiu cultivar. 

Epílogo – Vá cuidar da sua vida

Egoísmo não é viver à nossa maneira, mas desejar que os outros vivam como nós queremos”. Oscar Wilde
                                                                                                                          
Quando pensada fora de um contexto, essa expressão é mais facilmente associada a uma mensagem negativa. Imaginamos ouvi-la de alguém que recebeu um conselho e não o aceitou.
Pensando melhor nos componentes dessa mensagem talvez se consiga tirar algo de proveitoso dela. Primeiro a palavra “Vá” refere-se ao imperativo do pronome você. Isso mesmo , Vá você. O termo “cuidar” não tem nada de negativo, muito diferente disso. Cuidar é o mesmo que zelar, proteger, ocupar-se de, manter a integridade de ou simplesmente prestar mais atenção. “sua vida” quer dizer que ela não pertence a mais ninguém a não ser você, daí a importância desse elemento.
Então, apesar da clara intenção do “me deixa em paz”, temos a seguinte mensagem revista como: Você deveria ocupar-se mais das questões que envolvem sua vida, porque se dedicar à vida de outras pessoas, definitivamente não resolverá seus problemas, nem os dela.
Apesar da grosseria com que sempre é dita a frase “Vá cuidar de sua vida”, ela esconde um conceito de grande importância, se for percebido e colocado em prática.
Certa vez, enquanto molhava meu jardim, um vizinho bem intencionado parou e me chamou a atenção para alguns pontos de ferrugem em meu portão. Alertou-me para o prejuízo que eu teria caso a ferrugem se estendesse muito e finalmente recomendou-me que fizesse uma nova pintura.
O portão da casa desse vizinho não havia sido sequer pintado e apresentava muito mais problemas com ferrugem que o meu, mas ele achou conveniente ocupar-se do meu problema. Certamente não havia maldade nas suas observações, mas ele perdeu a oportunidade de pensar e resolver seu problema para pensar o problema de outra pessoa.
Quantas vezes passamos por isso, dos dois lados da situação? Sempre que estamos passando por um problema, qualquer que seja sua natureza, há alguém com uma pronta solução que, aliás, não serviu para resolver os problemas que a própria pessoa tem.
Exatamente como um médico pneumologista que alertou meu pai para os perigos do tabagismo enquanto fumava tranquilamente seu cigarro numa época que se levava tão pouco a sério essa questão que médicos fumavam dentro de seus consultórios, enquanto davam conselhos tão “valiosos” como esse.
Meu pai nunca deixou de fumar, não quis, pois não tinha motivos para fazê-lo, já que seu médico fumava e não via problema nisso.
Um bom exemplo pode ser mais útil que muitas palavras insensatas.
 Os chineses são famosos, especialmente os sábios, por darem respostas que não respondem o que se pergunta. Um desses sábios, quando perguntado sobre como resolver um determinado problema, respondeu que se um problema tem solução, então há solução, mas se não tem solução, então não há solução.
A aparente singeleza da resposta engana aos menos cuidadosos, pois temos toda a lógica exigível de uma resposta. Se o problema tem solução, então deve-se procurar resolvê-lo da melhor forma possível, pois uma solução existe. Se não há resposta, não convém perder nosso tempo com isso, é inútil procurar algo que não existe.
A questão maior é como sabermos se existe uma solução para um determinado problema. Como podemos ter certeza de que os nossos esforços nos levarão ao que pretendemos.
A vida nos oferece exemplos diários para todas as situações. Todos os dias encontramos pessoas que têm um determinado desafio a ser superado, muitas o fazem e muitas outras não. Vale a pena nos atermos às pessoas que superam seus desafios, e especialmente observar as estratégias adotadas.
Um fabricante de creme dental pediu sugestões para aumentar as vendas de seu produto e a sugestão que foi aprovada era incrivelmente simples, aumentar o diâmetro da abertura da embalagem, de modo que sairia mais creme dental a cada vez que o tubo fosse pressionado. Funcionou.
Então, por que uma pessoa prefere resolver problemas alheios ao invés de seus próprios?
Não é muito fácil olharmos para nossa própria vida por uma razão bem simples: se percebermos nosso problema como algo que pode ser resolvido, seremos obrigados a tomar uma decisão e uma atitude, que sejam eficientes para a solução desse problema.
O que nos impede não é exatamente o problema, nem mesmo a solução que ele exige. Nem sempre estamos dispostos aos sacrifícios necessários para que a questão seja solucionada. Em termos simples, queremos uma omelete, temos os ovos, mas precisamos quebrá-los. Eis a questão.
O amor
Em questões afetivas, muitas vezes a dificuldade não está no que  outro faz, mas no que ele é. Se fosse uma atitude o motivo do descontentamento, isso poderia ser negociado, mas um modo de ser, uma personalidade, não se muda tão facilmente. Geralmente, quando ocorre um rompimento amoroso consensual, as duas partes acabam percebendo que demoraram muito para tomar a decisão.
A dificuldade de se  optar pelo sim -  sim, essa relação é compensadora -  ou pelo não -  não, não vale o esforço em vista da compensação -  está ligada essencialmente ao preço que se paga por uma decisão como essa.
Aceitar a relação com todos os seus limites implica viver com a frustração que isso vai impor. Por outro lado, abandonar o projeto afetivo parece apontar para uma incapacidade de gerenciamento das próprias emoções. Muitas vezes, a opção de insistir na relação pode sugerir que se quer apenas o conforto, que uma mudança iria abalar. Há sempre o medo de que o que está por vir pode ser mais doloroso que aquilo que se tem.
Virar a mesa e apostar no desconhecido, numa nova rota, vai exigir uma habilidade que pouco praticamos: encarar problemas como se fossem desafios que, vencidos, nos mostrariam que somos capazes.
Caso contrário, o desafio perdido deveria exigir nova mudança de estratégia. Precisaríamos perder o medo de ter medo de ter medo de ter medo de ter medo. Só com muita dedicação e paciência isso é possível.

O trabalho
Poucas vezes temos escolha em termos do que fazemos. Vários fatores determinam nossos caminhos profissionais. A família ( vovô e papai são advogados, então... ), a condição social ( só posso pagar um curso de administração), a condição intelectual (só posso entrar num curso com até 5 candidatos por vaga) ou ainda a condição  de apatia (pode ser qualquer um, não ligo a mínima).
Geralmente acreditamos que nosso emprego é parte integrante fundamental de nossa existência, tanto que muitas pessoas perdem sua vida familiar, afetiva e até social para a manutenção de seu emprego. No fim restará o discurso frustrado de quem vive dizendo: “se eu tivesse a sua idade...”.
Convêm lembrar que uma escolha determina que muitas outras opções sejam deixadas de lado. Escolher uma profissão frequentemente implica em deixar de lado muitas outras formas de realização profissional em termos de salário e satisfação.
Numa sociedade em que um atleta ganha muito mais que um médico, um juiz ou um professor, é comum sermos tentados a buscar mais um salário que um emprego. Essa é uma armadilha dissimulada. Muitos jovens de periferia acabam trocando o esforço imenso de frequentar a escola pela possibilidade tênue de serem escolhidos nas famosas peneiras dos clubes de futebol.
A equação não é fácil. Temos contas a pagar, temos compromissos e temos também uma satisfação pessoal a garantir. Tudo somado, parece difícil chegar ao que se pretende.
O que aprendi em quase vinte anos como professor é que devemos preservar nossa integridade
•Física: precisamos estabelecer limites físicos para o trabalho (há professores que lecionam até 60 horas/aula por semana, funcionários que trabalham até 14 horas por dia,há quem passe as madrugadas e fins de semana produzindo relatórios)
•Intelectual: não se pode trabalhar escondendo sua concepção real das coisas em função do grupo (um conhecido contou-me certa vez que era cobrado em sua empresa por que tinha um carro velho e não se importava com carros novos. A maioria dos seus colegas, não entendia que ele simplesmente não via sentido em se manter esse status de funcionário bem sucedido )
•Moral: Não se deve aceitar que seus valores mais autênticos sejam massacrados pela necessidade de manter seu emprego. Certamente há mais maneiras de se trabalhar de acordo com seus princípios. (há muitos trabalhadores que sofrem de forma silenciosa pelo que são obrigados a fazer,  por exemplo estar a serviço de um banco que explora de forma abusiva e desleal seus clientes, isso sem falar nos funcionários ligados ao poder público, subordinados a chefes corruptos)
•Humana: não se deveria permitir que os superiores humilhassem seus subordinados. A autoridade nunca poderia ser trocada pelo autoritarismo (hoje há até mesmo um termo que designa esses abusos: assédio moral, um crime passível de punição, incluindo indenização)

A religião
Muita gente ainda confunde com Religião e Igreja. Convém lembrar que fé é um sentimento íntimo, autêntico, que cada pessoa carrega dentro de si acerca da aceitação de Deus e da compreensão em seus propósitos e sua ação no mundo natural.
Religião é o caminho pelo qual se escolhe chegar a Deus, de acordo com as preferências pessoais e adequação ao programa estabelecido, por exemplo, no Judaísmo é proibido o consumo de carne de porco, no Islamismo não se pode consumir bebidas alcoólicas. Atualmente são seis religiões reconhecidas mundialmente: Cristianismo, Islamismo, Budismo, Hinduísmo, Judaísmo e Candomblé.
A Igreja é o veículo que se escolhe para percorrer o caminho. Geralmente as pessoas escolhem a igreja que mais atende às expectativas que têm em relação aos seus conceitos de Deus e de Religião.
Vale lembrar que aproximadamente 2% da população mundial se declara ateu, ou seja, não concebem a existência de um Deus e muitos não concebem sequer a existência do mundo espiritual.
Cada uma dessas religiões se distingue em aspectos fundamentais da compreensão do mundo espiritual. O Cristianismo fundamenta-se na ressurreição, enquanto o Budismo entende que há a reencarnação. Há no mercado inúmeros livros que aprofundam e esclarecem as diferenças entre as religiões e desmistificam boa parte dos preconceitos que envolvem essa questão.
É comum a pessoa questionada sobre a sua religião declarar-se católica, evangélica, Testemunha de Jeová ou mesmo espírita. Todas essas denominações são caminhos diferentes dentro do Cristianismo. Todos professam na verdade uma mesma religião sob diferentes bandeiras.
Em minha experiência com pessoas aprendi que é muito delicado julgar ou estabelecer valores acerca das escolhas dos caminhos para se chegar a Deus. Para se ter uma ideia, há um princípio que existe em todas as seis religiões, conhecida como a Regra de Ouro: “Trate os outros do modo como você  gostaria de ser tratado"
Desde a Antiguidade a Regra de Ouro tem sido uma ótima referência moral e certamente garantiria uma existência pacífica. Apesar disso vemos católicos e protestantes se enfrentarem na Irlanda, muçulmanos e judeus se enfrentando no Oriente Médio. Em nome de Deus se cometem as maiores atrocidades contra pessoas cujo único crime foi ter escolhido um modo diferente de chegar a Deus.
Se nossa escolha religiosa nos torna intolerantes, se nos faz sentir superiores a qualquer outra pessoa então há algo de errado com essa opção. Deus é uma referência de bondade, de amor, de justiça e de misericórdia. Nós não somos Deus. E na nossa frágil condição somos afetados pela vaidade, pela ganância, pela angústia existencial e por sentimentos que inventamos ao longo de nossa experiência humana.
Há um registro de mais de 20.000 seitas e igrejas espalhadas pelo mundo todo, todas derivadas das seis religiões principais. As extremas diferenças de leitura dos textos sagrados vão desde o absurdo da condenação imposta aos homossexuais - ser enterrado vivo – em alguns países islâmicos até a recentíssima Metropolitan Church, uma igreja cristã nos EUA, que é dirigida e destinada a todas as categorias sexuais diferentes da heterossexualidade: homossexuais, bissexuais, transexuais, travestis, prostitutas, drag-queens e  qualquer outra opção sexual rejeitada por igrejas tradicionais.
Precisamos considerar que Deus é bom, tão bom que faz as coisas acontecerem ao seu tempo e a seu modo. Para ilustrar nossa incapacidade de compreender os projetos de Deus, vale recordar uma história que aconteceu nos anos 90, em São Paulo.
Havia alguns anos que um estudioso americano sugerira um programa que colocasse frente a frente vítimas e agressores depois de passado algum tempo do ocorrido. Esse projeto foi um fracasso, mas como sempre, foi trazido ao Brasil e posto em prática em algumas cidades.
Um dos casos apresentou um desfecho muito diferente do esperado. Enquanto se esperava que as vítimas pudessem no máximo perdoar o agressor, um homem paraplégico, de aproximadamente 35 anos procurou o programa para agradecer ao homem que fez com que ele dependesse de uma cadeira de rodas para o resto de seus dias. Estranho, não?
Esse homem foi, até os 20 anos, um bandido conhecido da polícia por assaltos, tráfico, homicídios e outros crimes mais. Durante um assalto ele foi alvejado por um policial – esse único tiro o deixou paraplégico – e assim que saiu do hospital viu seu mundo de acabar. Seus dias de criminoso chegaram ao fim.
Sem outra opção, apegou-se à fé, decidiu voltar a estudar e, depois de 10 anos, concluiu o curso de direito, de modo que a sociedade, por meios tortuosos, trocou um bandido por um homem de bem. Daí o motivo desse homem desejar agradecer ao policial por ter-lhe tirado o direto de andar. Foi uma tragédia pessoal que o fez encontrar, em si, algo que valia a pena.
Não acredito que Deus tenha levado esse homem ao crime e depois o tenha feito sofrer o que sofreu apenas para divertir-se. Deus deu a ele o livre arbítrio para escolher. Penso que Deus apenas permitiu uma troca de roteiro, para que esse homem pudesse ter contato com outra versão dele mesmo. 

Eu
Ninguém, estando insatisfeito consigo mesmo, poderá oferecer alegria ou bem-estar àqueles com quem convive. É fundamental preservar nossa condição de pessoa satisfeita com o que é, com o que faz e  com o conjunto de tudo que a cerca: família, trabalho, amigos,  oportunidades e possibilidades de sonhar. Mais que sonhar, sonhar sonhos que sejam concebidos como possíveis de se realizar.
Dias melhores só serão vividos quando estivermos dispostos a contribuir para isso, quando entendermos que nossa Cida e nossa felicidade não podem ser entregues nas mãos de outras pessoas, que não podem e nem devem ser responsáveis por nós, pois têm que cuidar de suas próprias vidas.
Precisamos assumir que nossa felicidade depende essencialmente de nós. Nossa família e nosso ambiente de trabalho  serão o reflexo do que intimamente desejamos ser.
Quando permitimos que alguém estrague nosso dia parte da culpa é dela, parte da culpa é nossa. Quando retribuímos uma cara feia ou uma atitude de desrespeito, estamos permitindo que o outro determine como devemos nos comportar.
Infelizmente, aprendemos a “dar o troco” e acabamos nos prendendo de vez àqueles de quem deveríamos manter distância segura. Perdoar alguém é uma excelente maneira de nos livrarmos do mal que essa pessoa nos causou. Por outro lado, quando alimentamos sentimentos de rancor, ódio ou vingança, estamos perpetuando a presença do mal em nossas vidas.
Livra-se desses sentimentos não é fácil, nem rápido. É fundamental praticar o perdão.  Aliás, muita gente acredita que o perdão é uma atitude  emocional. Não é. Perdoar exige uma séria decisão racional de não permitir que esses ressentimentos ocupem sua mente. É preciso dedicar-se pacienciosamente a excluir ideias negativas acerca das coisas e das pessoas.
O filósofo Sócrates disse uma vez que preferia ser vítima de uma injustiça a cometer uma injustiça contra alguém, pois ser injustiçado não diminui nosso real valor, mas cometer uma injustiça, sim.
Precisamos acreditar de fato que ser triste ou sofredor pode atrair a atenção e o cuidado daqueles que nos cercam, mas não nos melhoram em nada, não se deve pretender ser aquele que não conseguiu por meios próprios vencer seus desafios, e que por isso conta com a piedade alheia.
Nossos modelos precisam ser revistos, a voz do povo não é a voz de Deus, a maioria das pessoas vivem sem refletir sobre sua existência. “Todo mundo” não serve de parâmetro nem de modelo para nossos objetivos. Foi a voz de um povo que libertou Barrabás e condenou ao suplício e à morte Aquele que só falou de amor, que só buscou a paz, que só incentivou a justiça, que só ensinou o perdão.
Essas páginas foram pensadas por muitos anos. Mesmo assim parece que sempre fica faltando alguma coisa. Há tanto a dizer e tão poucas palavras capazes de o fazer.
Não gostaria que o leitor imaginasse que desejo ensiná-lo a viver. Seria pretensioso e ingênuo pensar que isso é possível. Só escrevi o que pensei que poderia ajudá-lo  a encontrar, em si mesmo, as respostas que muitas vezes procuramos por toda parte, sem encontrar.
Não há uma verdade, pelo menos não uma verdade que se aplique a todos. Cada um deve garimpar em seu íntimo as trilhas necessárias para se chegar aos seus reais objetivos. Penso que todo mundo quer  algo muito parecido: ser feliz. Viver melhor, mais intensamente, andar mais leve e respirar um sentimento de paz.
Muitos gênios já deram grandes contribuições para se viver em plenitude. Obras como O Pequeno Príncipe, Fernão Capelo Gaivota e O Menino do Dedo Verde, compositores como Beethoven, Mozart e Vivaldi, escultores como Michelângelo e Rodin, pensadores como Sócrates e Sêneca, artistas como Chaplin e escritores como Shakespeare, Fernando Pessoa e Pablo Neruda podem nos apresentar modos muito particulares de se observar a vida e os homens, compreender e avaliar essa nossa temerosa existência. Vale a pena conhecê-los.
Mas, acima de tudo, vale a pena conhecer a si mesmo. 

quarta-feira, 26 de dezembro de 2012


Aos leitores: para compensar o atraso publico os capítulos 8 e 9, o resto vem em Janeiro.
Abraços do Mané.Boas Festas e um excelente Ano Novo, com dias melhores para todos nós.

Capítulo 8 –  Gente do bem, gente do mal

“Que Deus me proteja dos meus amigos. Dos inimigos, cuido eu”.Voltaire
                                                                                                                           
Dias melhores supõem a capacidade de se ter uma boa perspectiva do que virá. Pensar de modo positivo e confiante pode ajudar muito no modo como vamos avaliar os fatos dos nossos dias. Mas é fundamental lembrar que ser positivo e confiante não tem nada de ingenuidade ou de alienação.
Precisamos levar sempre em conta que nem todas as pessoas com quem vamos ter  algum contato ou relacionamento são exatamente boas ou justas.
Considerar os componentes do pessimismo, da maldade e mesmo da inveja pode contribuir muito para as estratégias a serem adotadas para um bom convívio em todos os aspectos. É saudável reconhecer o mais rápido possível o grau de dificuldade que cada relação exigirá de nós. Uma leitura atenta do perfil das pessoas pode prevenir muitos contratempos.
Certa vez, em um almoço com amigos, fomos apresentados a um amigo do amigo, que mostrava nas expressões, certa austeridade, apesar da pouca idade. Esse amigo revelou em um determinado momento que considerava os direitos humanos um excesso de capricho burguês. Ao ouvir essa declaração, qualquer humanista poderia se colocar na discussão a partir de uma posição contrária.
Pensei honestamente em dizer algo sobre isso, mas avaliei duas coisas que me fizeram mudar de ideia. Primeiro entendi que o sujeito estava sendo apresentado a muitas pessoas que não conhecia, queria então marcar uma posição, imagino que para isso tenha até exagerado na opinião que emitiu. Além disso, qualquer debate desse tipo é infrutífero, pois o ambiente deve ser de descontração e, tópicos polêmicos podem esperar por um momento mais oportuno.
Por fim, decidi que não valia a pena contestar o que ele havia dito, limitei-me a acrescentar que há diferentes situações e que todas devem ser pensadas com o devido cuidado. O homem concordou e passamos a discutir a melhor forma de se preparar uma costela assada.
   Esse alerta sugere apenas que devemos considerar esses elementos, não significa que devemos nos afastar ou desconfiar imediatamente de pessoas com perfis menos positivos. Muito menos deixar de dizer o que pensamos. Cumpre lembrar uma frase sempre dita por um amigo: Mais vale ser gentil que estar com a razão.
Dá até para pensarmos em termos de um mantra:
Mais vale ser gentil que estar com a razão
Mais vale ser gentil que estar com a razão
Mais vale ser gentil que estar com a razão
Aliás, vale pensar antes de tudo que aquilo que entendemos como maldade, na maioria das vezes decorre da ignorância ou da insegurança das pessoas, em conformidade com seu estágio de amadurecimento intelectual, afetivo e espiritual. Uma pessoa excessivamente vaidosa pode ser extremamente insegura quanto à imagem que os outros fazem dela, assim como aquilo que entendemos como inveja pode simplesmente ser uma angústia de não se sentir capaz de alcançar aquilo que outros já conseguiram.  
Com uma prática persistente podemos ler por trás da aparência da atitude e descobrir que com a ajuda ou orientação apropriada alguém que nos intimida pode se tornar alguém mais realizado e, o que é melhor, alguém motivado a acreditar mais em si mesmo e, principalmente, nos outros.
Mas o leitor deve se perguntar intimamente se não há aqueles maus de verdade, cujos sentimentos são acinzentados, cujas mágoas podem ter convertido qualquer expectativa em uma visão pessimista e amarga de tudo aquilo que a vida pode oferecer. Todos já cruzamos com alguém assim. O “olho gordo”, a inveja que traz energia negativa e destruidora.
É fácil encontrar alguém assim. Para alguns, as marcas das experiências ruins são gravadas tão fundo e seus danos são tão intensos, que pouco podemos fazer para interagir em uma esfera mais íntima. Nesses casos, vale um outro velho ditado chinês: “Quando não puder fazer algo efetivamente por alguém, ore por essa pessoa, pois Deus pode ouvir sua prece e fazer por ela o que você gostaria, mas não pode”
De modo geral, reconhecemos logo pessoas que buscam o lado luminoso de tudo que as cercam e pessoas uma pouco mais difíceis, sofridas, desconfiadas, que necessitam de um porto muito seguro para atracarem suas frágeis embarcações. O que fazer diante dessas pode variar de uma exposição sincera de suas intenções até um distanciamento seguro para não sugerir invasão do espaço seguro que elas necessitam.
Recordo uma experiência que tive durante os anos de faculdade, quando estava em um congresso em São Paulo. Nessa ocasião fui abordado por um professor mais velho, de Minas Gerais, desconfiadíssimo, que me perguntou onde havia um hotel barato para alguém com pouco dinheiro. Ofereci levá-lo até onde eu estava hospedado, uma pensão bastante simples, mas confortável e barata.
O homem perguntou sem hesitar se eu não tinha intenção de roubá-lo, assim mesmo, sem nenhuma figura de linguagem, um eufemismo como “Posso mesmo confiar em você”. Fiquei constrangido e tive vontade de deixá-lo falando sozinho. Mas por um instante pensei que a ofensa nascera da sua insegurança – soube depois que era a primeira vez que esse interiorano estava na Grande São Paulo – pois eu também fora instruído a desconfiar de tudo e de todos.
Disse-lhe que sendo um aluno e futuro professor eu poderia ser pobre e até passar por necessidades, mas roubar alguém estava fora de cogitação, por razões óbvias: eu estava me preparando para ajudar jovens a formar suas noções de ética e responsabilidade social. Como poderia então roubar um outro professor, que teria objetivos tão parecidos?
Ele corou sinceramente, desculpou-se por seu excesso de zelo e acompanhou-me, mais aliviado, até o hotel.
Entretanto, não é sempre assim. Há casos em que existe a má intenção. De enganar, iludir, superar ou pelo simples prazer de fazer o outro passar por situações embaraçosas. Quando lidamos com gente de mau caráter, a melhor política é não deixar que essa pessoa saiba que sabemos  de suas reais intenções.
Como diz muito bem Guimarães Rosa, “Sábio foi Ulisses, que se passou por louco”, referindo-se ao episódio em que o herói grego diz ao gigante Cíclope que seu nome era Ninguém. Dessa forma, quando foi cegado pelo grego, o gigante gritou desesperadamente para seus irmãos “Socorro, Ninguém me machucou, Ninguém furou meu olho!”. Dá pra entender por que os irmãos não vieram em seu auxílio?
Quando estamos expostos a gente inescrupulosa, é muito útil à nossa sobrevivência que achem que não somos “ninguém”. Não atrair para si sentimentos ruins é uma boa forma de ter dias melhores.
Meu pai, na sua rudeza, ensinava aos filhos, quando estes iam para algum lugar que desconhecíamos: “Em lagoa que tem piranha, o jacaré nada de costas”.  Valeu pai!
Enfim, vale manter em mente uma ideia bastante simples e válida quando esperamos por dias melhores: Quando alguém nos engana pela primeira vez, o erro é de quem nos enganou, mas quando essa mesma pessoa nos engana pela segunda vez, aí o erro é nosso.
Desculpar uma traição ou uma trapaça sofrida não deveria nos expor a uma segunda ocorrência. Perdoar nos livra do peso do malfeito, mas é fundamental aprender a esquivar-se dos maus.

Última observação
Eu não poderia terminar esse capítulo sem tocar num ponto muito especial que está diretamente ligado à nossas vidas e às vidas daqueles que amamos. Há uma estatística no Brasil pouco conhecida mas que deveria ser motivo de cuidados: a maioria absoluta de mortes violentas – homicídios e acidentes – envolve vítimas entre os 15 e os 25 anos.
Temos que concordar que uma tragédia é sempre mais marcante quando envolve alguém de pouca idade. Esses jovens têm pais, amigos e irmãos que sofrerão imensamente a sua perda. Se descontarmos as fatalidades e os reveses do acaso que respondem por parte dessas mortes, restarão outros fatores de risco para nossos jovens que poderiam ser evitados.
Lembro de minha juventude e de quantas vezes eu ouvi os famosos “Não levo desaforo para casa”  e “Não engulo sapo”. Por motivos diversos – álcool, disputas amorosas, disputas por território, brigas de torcidas e confusões em clubes noturnos – um jovem pode se ver na situação de ser provocado.
Uma provocação pública leva a uma questão de preservar sua imagem no grupo. As coisas podem se complicar muito quando o passeio termina em um “racha”, quando a alegria do campeonato se converte em pancadaria e quando uma garota legal acaba gerando uma ameaça de morte.
É melhor levar um desaforo que uma facada ou um tiro. Engolir um sapo pode ser muito mais interessante que ser socorrido às pressas a um hospital ferido de morte.
Nunca saberemos a história dos outros, não conheceremos os reais motivos das agressões que poderemos vir a sofrer. Podemos ser apenas mais um dos descontentamentos ou frustrações que alguém esteja colecionando naquele dia. Podemos ser e geralmente somos o menor problema na vida de quem nos agride, mas o fato de estarmos mais perto pode fazer de nós um alvo mais fácil, um destino certo da fúria do outro.
Nunca revide agressões, que podem e devem ser ignoradas. Tenha a certeza de que, ao desviar-se de um desafio ou uma provocação, podemos estar de fato dando ao outro a chance de evitar uma tragédia que atingirá a todos. Recomendo a leitura do conto O Burrinho Pedrês, de Guimarães Rosa, incluído no livro Sagarana, em que o leitor descobre que, numa correnteza muito forte, o mais sábio é não se mexer. Desviar dos obstáculos pode ser o melhor modo de passar por eles.
Uma vez ouvi de um estranho que a frase mais dita pelos idiotas antes da morte é “Atire, se for homem”. Bem explicado.


Capítulo 9 –  O medo de sentir medo
"Porque há para todos nós um problema sério...Este problema é do medo."A. Cândido
                    
                                                                                                        


“Em verdade temos medo.
Nascemos escuro.
As existências são poucas:
Carteiro, ditador, soldado.
Nosso destino, incompleto.
(...)
E fomos educados para o medo.
Cheiramos flores de medo.
Vestimos panos de medo.
(...)
Nossos filhos tão felizes.....
Fiéis herdeiros do medo,(..)”  C. Drummond de Andrade

                                                                                                  

Simples como poucas coisas em nossa vida, o medo nos acompanha desde o nascimento. Um obstetra me sugeriu uma vez que para termos de novo a experiência do nascimento precisaríamos ficar de olhos vendados por uma semana, depois abriríamos os olhos contra a luz do sol ao mesmo tempo que mergulhássemos em uma banheira com água gelada, pois essa seria a sensação que se aproxima do nascer. Obviamente temos medo.
Quando bebês,  estando de costas e braços abertos, temos a impressão de que vamos cair. Somente com os braços juntos do corpo essa sensação desaparece. Com o passar do tempo esses medos desaparecem e dão lugar a outros, muito piores.
Seria inútil relatar toda espécie de medo que já se sentiu em todos os momentos da vida, desde o medo de morrer até o medo de perder aqueles que amamos pela morte. Ficar sozinho e doente, perder o emprego e incontáveis outros temores que nos assombram a cada dia.
Sobre isso vale uma reflexão. A maioria de nossos medos estão ligados a uma mudança de estado que nem sempre é objeto de medo em  si . Conforme crescemos, vamos tendo acesso a diferentes configurações de realidade que promovem desafios, esses desafios geram incertezas, naturalmente, e as incertezas, essas sim respondem diretamente pelos medos que sentimos.
O medo não decorre, então, dos objetos do medo. Uma casa velha, um bosque sóbrio, a noite, um uivo não trazem em si o medo, mas trazem a expectativa em relação ao incerto, ao desconhecido. Exemplo disso seria o nosso medo de uma guerra nuclear. O que nos apavora é a imagem do imenso cogumelo radioativo, a figura do terror e da destruição. Ora, uma guerra biológica seria muito mais aterrorizante se fosse compreendida de forma clara pelas pessoas. Uma bomba nuclear tem seu alcance limitado pela sua potência, enquanto um vírus não seria visto e portanto, não poderíamos calcular a exata extensão dos seus danos. Tomemos o caso do HIV. A AIDS não para de crescer em números de pessoas contaminadas, talvez porque o horror de uma lesão à mostra nem sempre esteja disponível.
O que mais interessa nesse capítulo é pensarmos o porquê de o medo nos paralisar. Geralmente os medos são piores que os fatores que o criaram. Muita gente se surpreende pela realidade de um vôo em comparação com toda a angústia que o antecedeu.
Cumpre lembrar que na prática existem dois tipos de medo: o medo racional que deriva da consciência plena dos riscos que se corre, como no caso de nos depararmos com um cão raivoso, rosnando para nós. É óbvio que há o risco e todos já vimos ou experimentamos um ataque.
Por outro lado há o medo de difícil justificativa, como o medo de trovões. Minha mãe nos colocava a todos sob uma forte mesa todas as vezes que se ouviam trovões estrondando na noite. Nunca soube de alguém que tivesse morrido vítima de um trovão. Medo de barata? Vampiros? Só pode explicar quem sente.
Só para se ter uma ideia, os hipopótamos matam muito mais pessoas que os temidos tubarões, mas não há nada como o terrível hipopótamo branco. Bicicletas fazem mais vítimas que aviões, cerca de 700 vezes mais.
Certa vez um renomado cirurgião cardiologista americano ouviu a seguinte pergunta durante um seminário: ” Porque as doenças do coração são a maior causa mortes ?”Ele respondeu:”Qual seria a sua doença favorita para ocupar o primeiro lugar?” Obviamente, não é motivo de orgulho para os cardiologistas que o coração esteja liderando a lista dos óbitos.
Podemos apostar que há cariocas que nunca foram assaltados, nem atingidos por balas perdidas durante toda a vida. No entanto, muitos brasileiros trocariam o Rio de Janeiro por uma cidade menos violenta. Muitas cidades pequenas já tiveram sua amostra de violência, nem por isso são um lugar ruim. Uma cidade japonesa, sem homicídios por cinco anos ficou chocada quando um homem, fora de si, esfaqueou alguém que nem conhecia num mercado.
Como agir diante do medo passa pelo cuidado inicial de se avalia se esse medo nasce de um perigo real ou simplesmente é um medo exagerado, sem fundamento prático. Ter medo de avião pode nos fazer tomar muito cuidado na escolha da companhia, seu histórico e padrão de qualidade dos aviões. Ou então ir de ônibus ou trem, caso seja possível.
Mas o que fazer com o medo irracional, aquele que povoa nossos pesadelos quando dormimos ou, muito pior, os pesadelos que temos acordados. Por muitas vezes sofri terrivelmente com dois medos combinados. O medo de meu filho se ferir e o descuido das pessoas com cães de aspecto aterrorizante, como pitbulls e rotweillers  - vale lembrar que qualquer vira-latas pode ferir gravemente uma pessoa e que há muito mito envolvendo algumas raças - , pois bem, toda vez que minha esposa saía com meu filho para um passeio de fim de tarde, vinha à minha mente o ataque furioso contra meus mais valiosos bens. Na verdade esse ataque nunca aconteceu e provavelmente não acontecerá.
Essa constatação não impediu minhas crises de pânico. Nesse caso precisei de ajuda profissional, um bom neurologista que me aconselhou algo ao simples que me surpreendi. Ele recomendou que eu me ocupasse com os problemas reais e deixasse de lado o que não passava de imaginação. Funcionou, mas foi doloroso e demorado o processo, pois de certa forma nos sentimos bem quando estamos com medo, parece que ficamos mais receptivos a palavras de conforto e até de concordância com o absurdo de nossos pavores.
Fiquei chocado quando soube de uma pessoa que havia tratado uma síndrome do pânico e, depois de curada, passou a apresenta uma nova forma de pânico: o pânico de ter pânico. Onde vamos parar? Haverá um limite ou podemos ter pânico ³ ?
Por que o medo nos apavora tanto? Talvez os medos nos mostrem muito aquém do que gostaríamos de ser. No fundo, gostaríamos de ser destemidos e admiramos sinceramente os que se arriscam. Mal sabemos que todos têm seu próprio medo. Provavelmente alguns pilotos de jatos militares tenham medos inconcebíveis como não conseguir se declarar a uma mulher, ou mesmo medo de falar em público. Um acrobata só enfrenta aquilo que não teme, o trapézio. Talvez ele tenha medo de mergulhar ou medo de noites de tempestade.
Acredito que, se todos conhecêssemos os medos uns dos outros, não haveria razão para termos vergonha de nossos medos, por mais ridículos que eles possam parecer. Conheci um sujeito que defendeu uma tese de doutorado, diante de pós-doutores que pareciam monstros feitos de sabedoria suprema, com relativa facilidade, ganhou até elogios dos deuses acadêmicos. Esse mesmo sujeito me confessou que gostaria de ter coragem para dizer ao pai o quanto o amava, apesar da difícil relação entre eles. Sei de empresários bem sucedidos que comandam centenas de pessoas com pulso firme, mas não conseguem conversar com os próprios filhos. 
Voltando ao início desse capítulo, gostaria de recuperar o que diz Drummond: Em verdade temos medo.(...)E fomos educados para o medo.”
É isso mesmo, temos medo, isso é um fato, não somos melhores nem piores que os outros, nossos medos não são mais ou menos ridículos, são simplesmente nossos medos, que devem ser pensados, discutidos, se preciso, tratados, mas nunca ignorados ou vistos como um defeito, uma deficiência. Todo problema ou dificuldade começa a se resolver a partir do momento que aceitamos a sua existência de forma tranquila e nos dispomos sinceramente a cooperar para a solução.
Como professor vivi vários episódios em que meu trabalho foi para o ralo, aulas preparadas com carinho e dedicação fracassaram completamente. Alunos jovens e sedentos por ma disputa de território destruíram completamente o trabalho de um dia todo.
Tudo isso começou a mudar quando eu passei a assumir perante a classe que eu não poderia motivá-los sem que eles cooperassem, passei a falar abertamente do quanto é frustrante quando não conseguimos executar uma tarefa sob nossa responsabilidade. Desde que aceitei que não era um professor dos filmes  - Ao mestre com carinho – como às vezes desejamos ser, mas simplesmente alguém com boa vontade e uma necessidade de colaboração, parece que ficou mais fácil, ou menos assombroso,  encarar um grupo de adolescentes com a missão de levá-los a considerar a leitura como uma opção válida de entretenimento sadio, concorrendo com a TV, o mp3 e internet. 
Imagine como seria mais fácil para um chefe se tivesse a tranquilidade de dizer a seus subordinados que ele, chefe, precisa mais deles que eles dele; dizer que seu posto exige dele a condição de servir ao grupo, não de escravizá-lo; assumir que seu mais importante papel é conseguir que todos deem o melhor de si para si , não para ele.     

segunda-feira, 17 de dezembro de 2012


Capítulo 7 – Para explicar melhor o capítulo 6

“A dúvida é o principio da sabedoria”. Aristóteles
                                                                                              

Certa feita, o doutor Sigmund Freud acabava uma de suas palestras quando uma senhora aproximou-se dele e perguntou qual seria a melhor maneira de educar seu filho. Freud disse-lhe para educar a criança de qualquer jeito, pois iria inevitavelmente errar.

Faço aqui um relato que surpreendeu pesquisadores americanos que estudaram a influência do comportamento dos pais nas escolhas dos filhos. Nessa pesquisa foram entrevistados dois irmãos gêmeos que, aos 25 anos tinham seguido caminhos muito diferentes. Um deles estava fazendo pós-graduação em Harvard, era um cientista.O outro aguardava a execução no corredor da morte, era um homicida.

Quando perguntados sobre os motivos de estarem onde estavam, ambos deram, curiosamente, a mesma resposta: “Sendo filho de um pai alcoólatra e usuário de drogas que espancava a esposa e os filhos constantemente, não havia outro caminho a seguir a não ser esse”.

Seria estupidez acreditar que para  se conseguir um doutor de Harvard os pais deveriam usar drogas e espancar a esposa e os filhos. Mas seria ingenuidade acreditar que só filhos espancados pelos pais são levados para o crime.

 Escrevi isso porque talvez tenha ficado ao atento leitor uma sensação de desconforto quanto ao que se leu no capítulo anterior. Seu bom senso o faria pensar que o autor desse texto defende a aceitação e a prática  de maus-tratos. Vamos corrigir isso imediatamente e esclarecer que:

• Os métodos que são eficientes na educação de uma criança não serão necessariamente bem sucedidos na educação de outra criança. Cada pessoa responde de forma diferente aos estímulos ou às repreensões recebidas;

• Numa mesma família, há filhos que se orientam facilmente pelo diálogo, outros podem necessitar de um discurso mais austero, outros podem perceber onde erraram somente quando deixados a sós, consigo mesmos, naqueles 15 minutos de reflexão forçada no silêncio do quarto. E finalmente há aqueles que a orelha não ajuda que se ouça e compreenda uma mensagem. Para esses,talvez, um puxãozinho nessa orelha possa lembrar  que ela existe.

• Não conheço ninguém que goste, aceite ou compreenda um constrangimento, pois essa é uma experiência extremamente desagradável;

• O vexame só tem algum efeito positivo se faz a pessoa ver a si mesma na sua pior forma, para que ela queira buscar a sua melhor versão;

• Nada de bom advém de uma intenção maligna. Se os pais acreditavam que a humilhação colocaria seus filhos no caminho do bem e da verdade, isso vinha de um zelo só decorrente do amor, por mais severo que parecesse;

• Ninguém pode educar a partir  da violência, agressões gratuitas, injustas e desmedidas devem ser banidas de uma sociedade civilizada. Minha mãe dizia que suas palmadas no traseiro nos empurravam para a frente e seus puxões de orelha nos levavam para o alto. Bela justificativa.

• Na maioria das vezes, e infelizmente, nossos políticos não servem de referência moral, pois já perderam a sensibilidade necessária para envergonhar-se. Os poucos que lá estão, preservados, devem ter vergonha, sim, de serem honestos, como diria nosso Rui Barbosa.

• Transformar um vexame em um aprendizado não é fácil, nem rápido, muito menos indolor. É preciso praticar a humildade com paciência e amor próprio. Ser humilde não significa ser inferior, mas ter consciência plena e tranquila de seus limites e de suas incertezas.

• Vivemos tempos em que se idolatra a beleza e o poder, em que a vaidade cega as pessoas e as afasta da consciência crítica. É urgente resgatarmos a famosa “vergonha na cara”, que formou gerações de pessoas responsáveis e que demonstravam respeito aos seus pares. Hoje a vida parece significar muito pouco, especialmente a do outro.

Enfim, não precisamos ter vergonha de ter vergonha, pois ter vergonha significa que temos a capacidade de buscar referências, perceber como e por que erramos e, principalmente, a vergonha nos motiva a rever posicionamentos.

            A atriz Cássia Kiss, que há alguns anos, depois de assumir publicamente que quando jovem realizou um aborto ilegalmente, aderiu às campanhas de orientação para a preservação da vida e para o aleitamento materno, inclusive amamentando seu filho em uma bela e rica demonstração de reelaboração de  atitudes.

            Como pais e educadores, viveremos sempre o dilema de educar. Sempre acharemos que fomos duros demais ou complacentes demais com aqueles sob nossa responsabilidade. Há muita diferença entre ser bom e ser justo. A justiça não supõe bondade, supõe equilíbrio.

            Quantos desequilibrados andam por aí, causando dor e sofrimento a si e aos outros – são depredações de patrimônio, espancamentos de mendigos, atropelamentos, roubos, assassinatos, agressões nascidas de preconceitos, abusos e crimes contra a própria família – não poderiam ter sido melhor orientados quanto aos danos que seus comportamentos iriam trazer a eles e aos outros no futuro.

A criança mal intencionada e de instintos destrutivos, protegida por uma lei que proíbe que ela leve umas boas e educativas palmadas, se tudo correr mal,será um bem sucedido agressor de seus próprios pais, de seus filhos e de quantos mais estiverem em seu caminho.