Esta é a última publicação. Aproveito as férias para concluir esta tarefa. Boa leitura.
Capítulo 10 – Amigos
“A
verdadeira amizade é aquela que nos permite falar, ao amigo, de todos os seus
defeitos e de todas as nossas qualidades”. Millôr Fernandes
Os amigos merecem um
capítulo só para eles. Inclusive em nossas vidas.
É muito difícil definir a
importância de um amigo; muitos já tentaram, páginas e mais páginas foram
impressas nos mostrando o quanto é importante termos o amigo especial, de todas
as horas, para todas as horas.
Normalmente não temos
problemas para conseguir amigos, os problemas começam quando convivemos com
eles. As amizades à distância tendem a durar mais e a se abalar menos. É no
corpo a corpo da convivência que as coisas tendem a se complicar; à medida que
as exigências aumentam, a paciência e a boa vontade diminuem.
Esse capítulo não era
para os amigos? Sim, todos eles, especialmente aqueles que magoam e são
magoados, os que perdem e os que fazem perder, pois isso, afinal não tira deles
a qualidade de amigos.
Dias melhores supõem
também encarar o fato de que as coisas nem sempre andam ou terminam bem nas
relações que mais prezamos.
Quando alguém nos diz que
está prestes a se divorciar, deveríamos nos entristecer, pois duas pessoas que
se casaram, começaram como amigos, que ficaram tão especiais que decidiram
dividir tudo. Descobrir que não são mais os mesmos deve ser uma das suas maiores
frustrações, até porque os dois não se desgostam na mesma proporção, sempre
sobra um pouco mais de dor para um deles quando tudo acaba.
Por que as amizades
chegam ao fim? Por que, quase de repente, desconfiamos que a pessoa deixou de
ocupar aquele lugar especial nas nossas mentes e corações?
Lá vamos nós de novo
dizer que quando algo falha, ou acaba, ou não funciona mais como gostaríamos, isso
não é totalmente ruim, que não há nada que nos obrigue a continuar com o
processo, até porque nada é tão ruim que não possa ficar pior.
Entre não gostar mais,
não respeitar mais, não suportar mais e ofender e agredir, há uma
vasta série de limites ou estágios a
serem percorridos. É preferível que se perceba, o quanto antes, que o rumo das
coisas pode não ser o melhor, mas infelizmente pode ser o pior.
Vamos por partes. As
pessoas começam a se desgostar por razões quase que óbvias. Recorro a Guimarães
Rosa para lembrar ao meu leitor um fato bastante verdadeiro para todos: “O
senhor… mire, veja: o mais importante e bonito, do mundo, é isto: que as
pessoas não estão sempre iguais, ainda não foram terminadas - mas que elas vão
sempre mudando. Afinam ou desafinam, verdade maior. É o que a vida me ensinou”.
(Grande Sertão: Veredas)
As pessoas mudam. Desde
que nascem, a pele e os olhos – ou o olhar
- e os cabelos. Nós mesmos não nos
reconheceríamos se, através de uma viagem no tempo, pudéssemos nos reencontrar
quando mais jovens. Veja como Cecília
Meireles explica as mudanças que sofremos no belo poema Mulher ao Espelho:
Mulher ao Espelho
Hoje, que seja esta ou aquela,
pouco me importa.
Quero apenas parecer bela,
pois, seja qual for, estou morta.
Já fui loura, já fui morena,
já fui Margarida e Beatriz,
Já fui Maria e Madalena.
Só não pude ser como quis.
Que mal fez, essa cor fingida
do meu cabelo, e do meu rosto,
se é tudo tinta: o mundo, a vida,
o contentamento, o desgosto?
Por fora, serei como queira
a moda, que vai me matando.
Que me levem pele e caveira
ao nada, não me importa quando.
Mas quem viu, tão dilacerados,
olhos, braços e sonhos seus,
e morreu pelos seus pecados,
falará com Deus.
Falará, coberta de luzes,
do alto penteado ao rubro artelho.
Porque uns expiram sobre cruzes,
outros, buscando-se no espelho.
Hoje, que seja esta ou aquela,
pouco me importa.
Quero apenas parecer bela,
pois, seja qual for, estou morta.
Já fui loura, já fui morena,
já fui Margarida e Beatriz,
Já fui Maria e Madalena.
Só não pude ser como quis.
Que mal fez, essa cor fingida
do meu cabelo, e do meu rosto,
se é tudo tinta: o mundo, a vida,
o contentamento, o desgosto?
Por fora, serei como queira
a moda, que vai me matando.
Que me levem pele e caveira
ao nada, não me importa quando.
Mas quem viu, tão dilacerados,
olhos, braços e sonhos seus,
e morreu pelos seus pecados,
falará com Deus.
Falará, coberta de luzes,
do alto penteado ao rubro artelho.
Porque uns expiram sobre cruzes,
outros, buscando-se no espelho.
É por isso que as pessoas acabam por se
desinteressar ou desgostar daqueles para quem juraram, em algum momento,
fidelidade e consideração por toda a vida. A maior parte das mudanças nem
sempre são intencionais, positivas ou compreensíveis. Há momentos que
percebemos com tristeza a mudança em nós e naqueles que amamos.
O fato de as pessoas
mudarem com tanta intensidade surpreende e assusta. Ainda mais quem convive com elas
durante todo o processo de mudança. As mães, por exemplo, demoram muito para
compreender e aceitar que aqueles que tanto dependeram dela, de repente
julguem-se aptos a viverem sozinhos e enfrentar seus desafios sem a cobertura
protetora da mãe.
Quantos filhos recorrem
às mães para decidir coisas insignificantes,
o que muito as alegra, pois isso prova que não deixaram de ser úteis.
Uma pesquisa recente associou o aparecimento do câncer de mama ao período
posterior à saída dos filhos de casa. Nas implicações psicológicas profundas, a
relação é inegável, não há mais
necessidade de nutrir, portanto pode perecer.
Muitos pais sentem-se deprimidos
quando seus filhos tornam-se aptos a viverem por si. Ninguém se prepara para
deixar de ser importante na vida de ninguém, especialmente quando temos prazer
em estar a serviço desse alguém.
Quando as mudanças se dão
com os amigos, elas decorrem principalmente da idade, do universo social e até
da formação intelectual da pessoa. Um velho colega de infância apareceu-me
certa vez, na casa de meus pais, depois de mais de quinze anos que não nos
víamos. Ele se tornara andarilho. Sujo, alcoolizado e com lágrimas nos olhos
ele me confidenciou que usava drogas desde os doze anos e que, com a morte da
mãe, viu desaparecer qualquer chance de uma tentativa de recuperação. Toninho era o seu
nome. Incrivelmente eu vi diante de mim o Toninho da minha infância, do futebol
na rua, das tardes em que soltávamos pipas, arrasado e sem perspectivas. Só
consegui prometer-lhe que em caso de fome poderia procurar por minha família.
Perdi mais dois amigos
que muito considerava. Um deles morreu três meses após o nascimento de seu
primeiro filho, num acidente. Foi um velório dos mais difíceis, ele tinha 23
anos, só um ano a mais que eu.
O outro amigo eu perdi, imagino,
para a ambição. Ele foi bem sucedido e aos poucos foi trocando
os velhos amigos da infância pobre por novos amigos, mais ricos e influentes.
Caro leitor, você também
deve ter perdido amigos, ou vai perdê-los. Não existe nada que justifique nossa
surpresa quando somos traídos ou abandonados. Isso é um fato tão certo, que o
próprio Cristo o vivenciou, traído por Judas e negado por Pedro.
Imaginemos por um momento
que alguém, em quem confiamos muito, diga que não nos conhece para poupar-se de
um constrangimento. Imagine agora o quanto Cristo sentiu esse fato,
principalmente por saber antecipadamente que ele se daria.
Os amigos que ficam são
aqueles que suportam bem nossas mudanças e cujas mudanças suportamos bem. A
nostalgia dos velhos tempos exige uma boa dose de compreensão.
O que mais impressiona é
pensarmos que os amigos que nos deixam
podem contribuir muito para nosso
crescimento, fazem-nos exercitar a paciência e o autocontrole, a humildade, a
tolerância e até mesmo a piedade.
Sofremos muitas vezes
porque não conseguimos compreender que a distância que nos separa dos amigos é talvez
menor que aquela que nos separa de nós mesmos. O amigo mais caro que perdemos é
justamente aquele do espelho, nós mesmos, quem nós deixamos de ser para nos tornar quem
somos. Oswaldo Montenegro nos faz um alerta sereno e triste - talvez menos
triste que sereno – sobre as mudanças em sua canção A Lista. Observe:
Faça uma lista de grandes amigos
Quem você mais via há dez anos atrás
Quantos você ainda vê todo dia
Quantos você já não encontra mais...
Faça uma lista dos sonhos que tinha
Quantos você desistiu de sonhar!
Quantos amores jurados pra sempre
Quantos você conseguiu preservar...
(...)
Quem você mais via há dez anos atrás
Quantos você ainda vê todo dia
Quantos você já não encontra mais...
Faça uma lista dos sonhos que tinha
Quantos você desistiu de sonhar!
Quantos amores jurados pra sempre
Quantos você conseguiu preservar...
(...)
Quantos amigos você jogou fora?
Quantos mistérios que você sondava
Quantos você conseguiu entender?
(...)
Quantos mistérios que você sondava
Quantos você conseguiu entender?
(...)
Quantas mentiras você condenava?
Quantas você teve que cometer?
Quantos defeitos sanados com o tempo
Eram o melhor que havia em você?
(...)
Quantas você teve que cometer?
Quantos defeitos sanados com o tempo
Eram o melhor que havia em você?
(...)
Quantas pessoas que você amava
Hoje acredita que amam você?
Hoje acredita que amam você?
Conheço gente que se
envergonha da alegria que tinha e das bobagens que falava. Conheço gente que
ostenta hoje uma expressão que nem sonhava ter quando bebia cerveja barata e
dividia a conta com mais dois amigos. Conheço gente que insiste em acreditar
que ter mais dinheiro pode fazer sua vida ter mais qualidade. Conheço gente
triste cuja maior realização é parecer feliz.
De algum modo, ter
pensado nisso e considerado a naturalidade com que isso se dá, ajudou muito a
respeitar todas as pessoas por princípio.
Acredito que o leitor
também conheça gente assim. Talvez agora esteja pensando naquelas companhias
agradáveis que se vão rolando pelo tempo do esquecimento.
Precisamos aprender que
somos atraídos por ideias e atitudes, talvez até mais que por pessoas. Gente que admiramos em uma época
podem ter se revelado tão distante do que eram que deixaram de importar ou de
valer a pena.
Dias melhores vão ser
aqueles em que não teremos a pretensão de sermos perfeitos ou de esperar que as
pessoas sejam perfeitas. Cuidemos bem das amizades que sobreviverem às
inevitáveis mudanças e já teremos feito muito em favor de uma vida mais plena e
mais verdadeira.
O bom jardineiro não é
aquele que lamenta as sementes que não germinaram, mas aquele que se alegra com
o colorido das flores que conseguiu cultivar.
Epílogo – Vá cuidar da sua vida
“Egoísmo
não é viver à nossa maneira, mas desejar que os outros vivam como nós
queremos”. Oscar Wilde
Quando pensada fora de um contexto,
essa expressão é mais facilmente associada a uma mensagem negativa. Imaginamos
ouvi-la de alguém que recebeu um conselho e não o aceitou.
Pensando melhor nos
componentes dessa mensagem talvez se consiga tirar algo de proveitoso dela.
Primeiro a palavra “Vá” refere-se ao imperativo do pronome você. Isso mesmo ,
Vá você. O termo “cuidar” não tem nada de negativo, muito diferente disso.
Cuidar é o mesmo que zelar, proteger, ocupar-se de, manter a integridade de ou
simplesmente prestar mais atenção. “sua vida” quer dizer que ela não pertence a
mais ninguém a não ser você, daí a importância desse elemento.
Então, apesar da clara
intenção do “me deixa em paz”, temos a seguinte mensagem revista como: Você
deveria ocupar-se mais das questões que envolvem sua vida, porque se dedicar à
vida de outras pessoas, definitivamente não resolverá seus problemas, nem os
dela.
Apesar da grosseria com
que sempre é dita a frase “Vá cuidar de sua vida”, ela esconde um conceito de
grande importância, se for percebido e colocado em prática.
Certa vez, enquanto
molhava meu jardim, um vizinho bem intencionado parou e me chamou a atenção
para alguns pontos de ferrugem em meu portão. Alertou-me para o prejuízo que eu
teria caso a ferrugem se estendesse muito e finalmente recomendou-me que
fizesse uma nova pintura.
O portão da casa desse
vizinho não havia sido sequer pintado e apresentava muito mais problemas com
ferrugem que o meu, mas ele achou conveniente ocupar-se do meu problema.
Certamente não havia maldade nas suas observações, mas ele perdeu a
oportunidade de pensar e resolver seu problema para pensar o problema de outra
pessoa.
Quantas vezes passamos
por isso, dos dois lados da situação? Sempre que estamos passando por um
problema, qualquer que seja sua natureza, há alguém com uma pronta solução que,
aliás, não serviu para resolver os problemas que a própria pessoa tem.
Exatamente como um médico
pneumologista que alertou meu pai para os perigos do tabagismo enquanto fumava
tranquilamente seu cigarro numa época que se levava tão pouco a sério essa
questão que médicos fumavam dentro de seus consultórios, enquanto davam
conselhos tão “valiosos” como esse.
Meu pai nunca deixou de
fumar, não quis, pois não tinha motivos para fazê-lo, já que seu médico fumava
e não via problema nisso.
Um bom exemplo pode ser
mais útil que muitas palavras insensatas.
Os chineses são famosos, especialmente os
sábios, por darem respostas que não respondem o que se pergunta. Um desses
sábios, quando perguntado sobre como resolver um determinado problema,
respondeu que se um problema tem solução, então há solução, mas se não tem
solução, então não há solução.
A aparente singeleza da
resposta engana aos menos cuidadosos, pois temos toda a lógica exigível de uma
resposta. Se o problema tem solução, então deve-se procurar resolvê-lo da
melhor forma possível, pois uma solução existe. Se não há resposta, não convém
perder nosso tempo com isso, é inútil procurar algo que não existe.
A questão maior é como
sabermos se existe uma solução para um determinado problema. Como podemos ter
certeza de que os nossos esforços nos levarão ao que pretendemos.
A vida nos oferece
exemplos diários para todas as situações. Todos os dias encontramos pessoas que
têm um determinado desafio a ser superado, muitas o fazem e muitas outras não.
Vale a pena nos atermos às pessoas que superam seus desafios, e especialmente observar
as estratégias adotadas.
Um fabricante de creme
dental pediu sugestões para aumentar as vendas de seu produto e a sugestão que
foi aprovada era incrivelmente simples, aumentar o diâmetro da abertura da
embalagem, de modo que sairia mais creme dental a cada vez que o tubo fosse
pressionado. Funcionou.
Então, por que uma pessoa
prefere resolver problemas alheios ao invés de seus próprios?
Não é muito fácil olharmos
para nossa própria vida por uma razão bem simples: se percebermos nosso
problema como algo que pode ser resolvido, seremos obrigados a tomar uma
decisão e uma atitude, que sejam eficientes para a solução desse problema.
O que nos impede não é
exatamente o problema, nem mesmo a solução que ele exige. Nem sempre estamos dispostos
aos sacrifícios necessários para que a questão seja solucionada. Em termos
simples, queremos uma omelete, temos os ovos, mas precisamos quebrá-los. Eis a
questão.
O amor
Em questões afetivas,
muitas vezes a dificuldade não está no que
outro faz, mas no que ele é. Se fosse uma atitude o motivo do
descontentamento, isso poderia ser negociado, mas um modo de ser, uma
personalidade, não se muda tão facilmente. Geralmente, quando ocorre um
rompimento amoroso consensual, as duas partes acabam percebendo que demoraram
muito para tomar a decisão.
A dificuldade de se optar pelo sim - sim, essa relação é compensadora - ou pelo não -
não, não vale o esforço em vista da compensação - está ligada essencialmente ao preço que se
paga por uma decisão como essa.
Aceitar a relação com
todos os seus limites implica viver com a frustração que isso vai impor. Por
outro lado, abandonar o projeto afetivo parece apontar para uma incapacidade de
gerenciamento das próprias emoções. Muitas vezes, a opção de insistir na relação
pode sugerir que se quer apenas o conforto, que uma mudança iria abalar. Há
sempre o medo de que o que está por vir pode ser mais doloroso que aquilo que
se tem.
Virar a mesa e apostar no
desconhecido, numa nova rota, vai exigir uma habilidade que pouco praticamos:
encarar problemas como se fossem desafios que, vencidos, nos mostrariam que
somos capazes.
Caso contrário, o desafio
perdido deveria exigir nova mudança de estratégia. Precisaríamos perder o medo
de ter medo de ter medo de ter medo de ter medo. Só com muita dedicação e
paciência isso é possível.
O trabalho
Poucas vezes temos
escolha em termos do que fazemos. Vários fatores determinam nossos caminhos
profissionais. A família ( vovô e papai são advogados, então... ), a condição
social ( só posso pagar um curso de administração), a condição intelectual (só
posso entrar num curso com até 5 candidatos por vaga) ou ainda a condição de apatia (pode ser qualquer um, não ligo a
mínima).
Geralmente acreditamos
que nosso emprego é parte integrante fundamental de nossa existência, tanto que
muitas pessoas perdem sua vida familiar, afetiva e até social para a manutenção
de seu emprego. No fim restará o discurso frustrado de quem vive dizendo: “se
eu tivesse a sua idade...”.
Convêm lembrar que uma
escolha determina que muitas outras opções sejam deixadas de lado. Escolher uma
profissão frequentemente implica em deixar de lado muitas outras formas de
realização profissional em termos de salário e satisfação.
Numa sociedade em que um
atleta ganha muito mais que um médico, um juiz ou um professor, é comum sermos
tentados a buscar mais um salário que um emprego. Essa é uma armadilha
dissimulada. Muitos jovens de periferia acabam trocando o esforço imenso de
frequentar a escola pela possibilidade tênue de serem escolhidos nas famosas
peneiras dos clubes de futebol.
A equação não é fácil.
Temos contas a pagar, temos compromissos e temos também uma satisfação pessoal
a garantir. Tudo somado, parece difícil chegar ao que se pretende.
O que aprendi em quase
vinte anos como professor é que devemos preservar nossa integridade
•Física: precisamos
estabelecer limites físicos para o trabalho (há professores que lecionam até 60
horas/aula por semana, funcionários que trabalham até 14 horas por dia,há quem
passe as madrugadas e fins de semana produzindo relatórios)
•Intelectual: não se pode
trabalhar escondendo sua concepção real das coisas em função do grupo (um
conhecido contou-me certa vez que era cobrado em sua empresa por que tinha um
carro velho e não se importava com carros novos. A maioria dos seus colegas, não
entendia que ele simplesmente não via sentido em se manter esse status de
funcionário bem sucedido )
•Moral: Não se deve
aceitar que seus valores mais autênticos sejam massacrados pela necessidade de
manter seu emprego. Certamente há mais maneiras de se trabalhar de acordo com
seus princípios. (há muitos trabalhadores que sofrem de forma silenciosa pelo
que são obrigados a fazer, por exemplo
estar a serviço de um banco que explora de forma abusiva e desleal seus
clientes, isso sem falar nos funcionários ligados ao poder público,
subordinados a chefes corruptos)
•Humana: não se deveria
permitir que os superiores humilhassem seus subordinados. A autoridade nunca
poderia ser trocada pelo autoritarismo (hoje há até mesmo um termo que designa
esses abusos: assédio moral, um crime passível de punição, incluindo
indenização)
A religião
Muita gente ainda
confunde Fé com Religião e Igreja. Convém
lembrar que fé é um sentimento íntimo, autêntico, que cada pessoa carrega
dentro de si acerca da aceitação de Deus e da compreensão em seus propósitos e
sua ação no mundo natural.
Religião é o caminho pelo
qual se escolhe chegar a Deus, de acordo com as preferências pessoais e
adequação ao programa estabelecido, por exemplo, no Judaísmo é proibido o
consumo de carne de porco, no Islamismo não se pode consumir bebidas
alcoólicas. Atualmente são seis religiões reconhecidas mundialmente:
Cristianismo, Islamismo, Budismo, Hinduísmo, Judaísmo e Candomblé.
A Igreja é o veículo que
se escolhe para percorrer o caminho. Geralmente as pessoas escolhem a igreja
que mais atende às expectativas que têm em relação aos seus conceitos de Deus e
de Religião.
Vale lembrar que
aproximadamente 2% da população mundial se declara ateu, ou seja, não concebem
a existência de um Deus e muitos não concebem sequer a existência do mundo
espiritual.
Cada uma dessas religiões
se distingue em aspectos fundamentais da compreensão do mundo espiritual. O
Cristianismo fundamenta-se na ressurreição, enquanto o Budismo entende que há a
reencarnação. Há no mercado inúmeros livros que aprofundam e esclarecem as
diferenças entre as religiões e desmistificam boa parte dos preconceitos que
envolvem essa questão.
É comum a pessoa
questionada sobre a sua religião declarar-se católica, evangélica, Testemunha
de Jeová ou mesmo espírita. Todas essas denominações são caminhos diferentes
dentro do Cristianismo. Todos professam na verdade uma mesma religião sob
diferentes bandeiras.
Em minha experiência com pessoas
aprendi que é muito delicado julgar ou estabelecer valores acerca das escolhas
dos caminhos para se chegar a Deus. Para se ter uma ideia, há um princípio que
existe em todas as seis religiões, conhecida como a Regra de Ouro: “Trate
os outros do modo como você gostaria de
ser tratado"
Desde a Antiguidade a Regra de Ouro
tem sido uma ótima referência moral e certamente garantiria uma existência
pacífica. Apesar disso vemos católicos e protestantes se enfrentarem na
Irlanda, muçulmanos e judeus se enfrentando no Oriente Médio. Em nome de Deus
se cometem as maiores atrocidades contra pessoas cujo único crime foi ter
escolhido um modo diferente de chegar a Deus.
Se nossa escolha religiosa nos torna
intolerantes, se nos faz sentir superiores a qualquer outra pessoa então há
algo de errado com essa opção. Deus é uma referência de bondade, de amor, de
justiça e de misericórdia. Nós não somos Deus. E na nossa frágil condição somos
afetados pela vaidade, pela ganância, pela angústia existencial e por
sentimentos que inventamos ao longo de nossa experiência humana.
Há um registro de mais de 20.000
seitas e igrejas espalhadas pelo mundo todo, todas derivadas das seis religiões
principais. As extremas diferenças de leitura dos textos sagrados vão desde o
absurdo da condenação imposta aos homossexuais - ser enterrado vivo – em alguns
países islâmicos até a recentíssima Metropolitan Church, uma igreja cristã nos
EUA, que é dirigida e destinada a todas as categorias sexuais diferentes da
heterossexualidade: homossexuais, bissexuais, transexuais, travestis,
prostitutas, drag-queens e qualquer
outra opção sexual rejeitada por igrejas tradicionais.
Precisamos considerar que Deus é
bom, tão bom que faz as coisas acontecerem ao seu tempo e a seu modo. Para
ilustrar nossa incapacidade de compreender os projetos de Deus, vale recordar
uma história que aconteceu nos anos 90, em São Paulo.
Havia alguns anos que um estudioso
americano sugerira um programa que colocasse frente a frente vítimas e
agressores depois de passado algum tempo do ocorrido. Esse projeto foi um
fracasso, mas como sempre, foi trazido ao Brasil e posto em prática em algumas
cidades.
Um dos casos apresentou um desfecho
muito diferente do esperado. Enquanto se esperava que as vítimas pudessem no
máximo perdoar o agressor, um homem paraplégico, de aproximadamente 35 anos
procurou o programa para agradecer ao homem que fez com que ele dependesse de
uma cadeira de rodas para o resto de seus dias. Estranho, não?
Esse homem foi, até os 20 anos, um
bandido conhecido da polícia por assaltos, tráfico, homicídios e outros crimes
mais. Durante um assalto ele foi alvejado por um policial – esse único tiro o
deixou paraplégico – e assim que saiu do hospital viu seu mundo de acabar. Seus
dias de criminoso chegaram ao fim.
Sem outra opção, apegou-se à fé,
decidiu voltar a estudar e, depois de 10 anos, concluiu o curso de direito, de
modo que a sociedade, por meios tortuosos, trocou um bandido por um homem de
bem. Daí o motivo desse homem desejar agradecer ao policial por ter-lhe tirado
o direto de andar. Foi uma tragédia pessoal que o fez encontrar, em si, algo
que valia a pena.
Não acredito que Deus tenha levado
esse homem ao crime e depois o tenha feito sofrer o que sofreu apenas para
divertir-se. Deus deu a ele o livre arbítrio para escolher. Penso que Deus
apenas permitiu uma troca de roteiro, para que esse homem pudesse ter contato
com outra versão dele mesmo.
Eu
Ninguém, estando insatisfeito
consigo mesmo, poderá oferecer alegria ou bem-estar àqueles com quem convive. É
fundamental preservar nossa condição de pessoa satisfeita com o que é, com o
que faz e com o conjunto de tudo que a
cerca: família, trabalho, amigos,
oportunidades e possibilidades de sonhar. Mais que sonhar, sonhar sonhos
que sejam concebidos como possíveis de se realizar.
Dias melhores só serão
vividos quando estivermos dispostos a contribuir para isso, quando entendermos
que nossa Cida e nossa felicidade não podem ser entregues nas mãos de outras
pessoas, que não podem e nem devem ser responsáveis por nós, pois têm que
cuidar de suas próprias vidas.
Precisamos assumir que
nossa felicidade depende essencialmente de nós. Nossa família e nosso ambiente
de trabalho serão o reflexo do que
intimamente desejamos ser.
Quando permitimos que
alguém estrague nosso dia parte da culpa é dela, parte da culpa é nossa. Quando
retribuímos uma cara feia ou uma atitude de desrespeito, estamos permitindo que
o outro determine como devemos nos comportar.
Infelizmente, aprendemos
a “dar o troco” e acabamos nos prendendo de vez àqueles de quem deveríamos
manter distância segura. Perdoar alguém é uma excelente maneira de nos
livrarmos do mal que essa pessoa nos causou. Por outro lado, quando alimentamos
sentimentos de rancor, ódio ou vingança, estamos perpetuando a presença do mal
em nossas vidas.
Livra-se desses
sentimentos não é fácil, nem rápido. É fundamental praticar o perdão. Aliás, muita gente acredita que o perdão é
uma atitude emocional. Não é. Perdoar
exige uma séria decisão racional de não permitir que esses ressentimentos ocupem
sua mente. É preciso dedicar-se pacienciosamente a excluir ideias negativas
acerca das coisas e das pessoas.
O filósofo Sócrates disse
uma vez que preferia ser vítima de uma injustiça a cometer uma injustiça contra
alguém, pois ser injustiçado não diminui nosso real valor, mas cometer uma
injustiça, sim.
Precisamos acreditar de
fato que ser triste ou sofredor pode atrair a atenção e o cuidado daqueles que
nos cercam, mas não nos melhoram em nada, não se deve pretender ser aquele que
não conseguiu por meios próprios vencer seus desafios, e que por isso conta com
a piedade alheia.
Nossos modelos precisam
ser revistos, a voz do povo não é a voz de Deus, a maioria das pessoas vivem
sem refletir sobre sua existência. “Todo mundo” não serve de parâmetro nem de
modelo para nossos objetivos. Foi a voz de um povo que libertou Barrabás e
condenou ao suplício e à morte Aquele que só falou de amor, que só buscou a
paz, que só incentivou a justiça, que só ensinou o perdão.
Essas páginas foram
pensadas por muitos anos. Mesmo assim parece que sempre fica faltando alguma
coisa. Há tanto a dizer e tão poucas palavras capazes de o fazer.
Não gostaria que o leitor
imaginasse que desejo ensiná-lo a viver. Seria pretensioso e ingênuo pensar que
isso é possível. Só escrevi o que pensei que poderia ajudá-lo a encontrar, em si mesmo, as respostas que
muitas vezes procuramos por toda parte, sem encontrar.
Não há uma verdade, pelo
menos não uma verdade que se aplique a todos. Cada um deve garimpar em seu
íntimo as trilhas necessárias para se chegar aos seus reais objetivos. Penso
que todo mundo quer algo muito parecido:
ser feliz. Viver melhor, mais intensamente, andar mais leve e respirar um
sentimento de paz.
Muitos gênios já deram
grandes contribuições para se viver em plenitude. Obras como O Pequeno Príncipe,
Fernão Capelo Gaivota e O Menino do Dedo Verde, compositores como Beethoven, Mozart
e Vivaldi, escultores como Michelângelo e Rodin, pensadores como Sócrates e
Sêneca, artistas como Chaplin e escritores como Shakespeare, Fernando Pessoa e
Pablo Neruda podem nos apresentar modos muito particulares de se observar a
vida e os homens, compreender e avaliar essa nossa temerosa existência. Vale a
pena conhecê-los.
Mas, acima de tudo, vale
a pena conhecer a si mesmo.