quarta-feira, 26 de dezembro de 2012


Aos leitores: para compensar o atraso publico os capítulos 8 e 9, o resto vem em Janeiro.
Abraços do Mané.Boas Festas e um excelente Ano Novo, com dias melhores para todos nós.

Capítulo 8 –  Gente do bem, gente do mal

“Que Deus me proteja dos meus amigos. Dos inimigos, cuido eu”.Voltaire
                                                                                                                           
Dias melhores supõem a capacidade de se ter uma boa perspectiva do que virá. Pensar de modo positivo e confiante pode ajudar muito no modo como vamos avaliar os fatos dos nossos dias. Mas é fundamental lembrar que ser positivo e confiante não tem nada de ingenuidade ou de alienação.
Precisamos levar sempre em conta que nem todas as pessoas com quem vamos ter  algum contato ou relacionamento são exatamente boas ou justas.
Considerar os componentes do pessimismo, da maldade e mesmo da inveja pode contribuir muito para as estratégias a serem adotadas para um bom convívio em todos os aspectos. É saudável reconhecer o mais rápido possível o grau de dificuldade que cada relação exigirá de nós. Uma leitura atenta do perfil das pessoas pode prevenir muitos contratempos.
Certa vez, em um almoço com amigos, fomos apresentados a um amigo do amigo, que mostrava nas expressões, certa austeridade, apesar da pouca idade. Esse amigo revelou em um determinado momento que considerava os direitos humanos um excesso de capricho burguês. Ao ouvir essa declaração, qualquer humanista poderia se colocar na discussão a partir de uma posição contrária.
Pensei honestamente em dizer algo sobre isso, mas avaliei duas coisas que me fizeram mudar de ideia. Primeiro entendi que o sujeito estava sendo apresentado a muitas pessoas que não conhecia, queria então marcar uma posição, imagino que para isso tenha até exagerado na opinião que emitiu. Além disso, qualquer debate desse tipo é infrutífero, pois o ambiente deve ser de descontração e, tópicos polêmicos podem esperar por um momento mais oportuno.
Por fim, decidi que não valia a pena contestar o que ele havia dito, limitei-me a acrescentar que há diferentes situações e que todas devem ser pensadas com o devido cuidado. O homem concordou e passamos a discutir a melhor forma de se preparar uma costela assada.
   Esse alerta sugere apenas que devemos considerar esses elementos, não significa que devemos nos afastar ou desconfiar imediatamente de pessoas com perfis menos positivos. Muito menos deixar de dizer o que pensamos. Cumpre lembrar uma frase sempre dita por um amigo: Mais vale ser gentil que estar com a razão.
Dá até para pensarmos em termos de um mantra:
Mais vale ser gentil que estar com a razão
Mais vale ser gentil que estar com a razão
Mais vale ser gentil que estar com a razão
Aliás, vale pensar antes de tudo que aquilo que entendemos como maldade, na maioria das vezes decorre da ignorância ou da insegurança das pessoas, em conformidade com seu estágio de amadurecimento intelectual, afetivo e espiritual. Uma pessoa excessivamente vaidosa pode ser extremamente insegura quanto à imagem que os outros fazem dela, assim como aquilo que entendemos como inveja pode simplesmente ser uma angústia de não se sentir capaz de alcançar aquilo que outros já conseguiram.  
Com uma prática persistente podemos ler por trás da aparência da atitude e descobrir que com a ajuda ou orientação apropriada alguém que nos intimida pode se tornar alguém mais realizado e, o que é melhor, alguém motivado a acreditar mais em si mesmo e, principalmente, nos outros.
Mas o leitor deve se perguntar intimamente se não há aqueles maus de verdade, cujos sentimentos são acinzentados, cujas mágoas podem ter convertido qualquer expectativa em uma visão pessimista e amarga de tudo aquilo que a vida pode oferecer. Todos já cruzamos com alguém assim. O “olho gordo”, a inveja que traz energia negativa e destruidora.
É fácil encontrar alguém assim. Para alguns, as marcas das experiências ruins são gravadas tão fundo e seus danos são tão intensos, que pouco podemos fazer para interagir em uma esfera mais íntima. Nesses casos, vale um outro velho ditado chinês: “Quando não puder fazer algo efetivamente por alguém, ore por essa pessoa, pois Deus pode ouvir sua prece e fazer por ela o que você gostaria, mas não pode”
De modo geral, reconhecemos logo pessoas que buscam o lado luminoso de tudo que as cercam e pessoas uma pouco mais difíceis, sofridas, desconfiadas, que necessitam de um porto muito seguro para atracarem suas frágeis embarcações. O que fazer diante dessas pode variar de uma exposição sincera de suas intenções até um distanciamento seguro para não sugerir invasão do espaço seguro que elas necessitam.
Recordo uma experiência que tive durante os anos de faculdade, quando estava em um congresso em São Paulo. Nessa ocasião fui abordado por um professor mais velho, de Minas Gerais, desconfiadíssimo, que me perguntou onde havia um hotel barato para alguém com pouco dinheiro. Ofereci levá-lo até onde eu estava hospedado, uma pensão bastante simples, mas confortável e barata.
O homem perguntou sem hesitar se eu não tinha intenção de roubá-lo, assim mesmo, sem nenhuma figura de linguagem, um eufemismo como “Posso mesmo confiar em você”. Fiquei constrangido e tive vontade de deixá-lo falando sozinho. Mas por um instante pensei que a ofensa nascera da sua insegurança – soube depois que era a primeira vez que esse interiorano estava na Grande São Paulo – pois eu também fora instruído a desconfiar de tudo e de todos.
Disse-lhe que sendo um aluno e futuro professor eu poderia ser pobre e até passar por necessidades, mas roubar alguém estava fora de cogitação, por razões óbvias: eu estava me preparando para ajudar jovens a formar suas noções de ética e responsabilidade social. Como poderia então roubar um outro professor, que teria objetivos tão parecidos?
Ele corou sinceramente, desculpou-se por seu excesso de zelo e acompanhou-me, mais aliviado, até o hotel.
Entretanto, não é sempre assim. Há casos em que existe a má intenção. De enganar, iludir, superar ou pelo simples prazer de fazer o outro passar por situações embaraçosas. Quando lidamos com gente de mau caráter, a melhor política é não deixar que essa pessoa saiba que sabemos  de suas reais intenções.
Como diz muito bem Guimarães Rosa, “Sábio foi Ulisses, que se passou por louco”, referindo-se ao episódio em que o herói grego diz ao gigante Cíclope que seu nome era Ninguém. Dessa forma, quando foi cegado pelo grego, o gigante gritou desesperadamente para seus irmãos “Socorro, Ninguém me machucou, Ninguém furou meu olho!”. Dá pra entender por que os irmãos não vieram em seu auxílio?
Quando estamos expostos a gente inescrupulosa, é muito útil à nossa sobrevivência que achem que não somos “ninguém”. Não atrair para si sentimentos ruins é uma boa forma de ter dias melhores.
Meu pai, na sua rudeza, ensinava aos filhos, quando estes iam para algum lugar que desconhecíamos: “Em lagoa que tem piranha, o jacaré nada de costas”.  Valeu pai!
Enfim, vale manter em mente uma ideia bastante simples e válida quando esperamos por dias melhores: Quando alguém nos engana pela primeira vez, o erro é de quem nos enganou, mas quando essa mesma pessoa nos engana pela segunda vez, aí o erro é nosso.
Desculpar uma traição ou uma trapaça sofrida não deveria nos expor a uma segunda ocorrência. Perdoar nos livra do peso do malfeito, mas é fundamental aprender a esquivar-se dos maus.

Última observação
Eu não poderia terminar esse capítulo sem tocar num ponto muito especial que está diretamente ligado à nossas vidas e às vidas daqueles que amamos. Há uma estatística no Brasil pouco conhecida mas que deveria ser motivo de cuidados: a maioria absoluta de mortes violentas – homicídios e acidentes – envolve vítimas entre os 15 e os 25 anos.
Temos que concordar que uma tragédia é sempre mais marcante quando envolve alguém de pouca idade. Esses jovens têm pais, amigos e irmãos que sofrerão imensamente a sua perda. Se descontarmos as fatalidades e os reveses do acaso que respondem por parte dessas mortes, restarão outros fatores de risco para nossos jovens que poderiam ser evitados.
Lembro de minha juventude e de quantas vezes eu ouvi os famosos “Não levo desaforo para casa”  e “Não engulo sapo”. Por motivos diversos – álcool, disputas amorosas, disputas por território, brigas de torcidas e confusões em clubes noturnos – um jovem pode se ver na situação de ser provocado.
Uma provocação pública leva a uma questão de preservar sua imagem no grupo. As coisas podem se complicar muito quando o passeio termina em um “racha”, quando a alegria do campeonato se converte em pancadaria e quando uma garota legal acaba gerando uma ameaça de morte.
É melhor levar um desaforo que uma facada ou um tiro. Engolir um sapo pode ser muito mais interessante que ser socorrido às pressas a um hospital ferido de morte.
Nunca saberemos a história dos outros, não conheceremos os reais motivos das agressões que poderemos vir a sofrer. Podemos ser apenas mais um dos descontentamentos ou frustrações que alguém esteja colecionando naquele dia. Podemos ser e geralmente somos o menor problema na vida de quem nos agride, mas o fato de estarmos mais perto pode fazer de nós um alvo mais fácil, um destino certo da fúria do outro.
Nunca revide agressões, que podem e devem ser ignoradas. Tenha a certeza de que, ao desviar-se de um desafio ou uma provocação, podemos estar de fato dando ao outro a chance de evitar uma tragédia que atingirá a todos. Recomendo a leitura do conto O Burrinho Pedrês, de Guimarães Rosa, incluído no livro Sagarana, em que o leitor descobre que, numa correnteza muito forte, o mais sábio é não se mexer. Desviar dos obstáculos pode ser o melhor modo de passar por eles.
Uma vez ouvi de um estranho que a frase mais dita pelos idiotas antes da morte é “Atire, se for homem”. Bem explicado.


Capítulo 9 –  O medo de sentir medo
"Porque há para todos nós um problema sério...Este problema é do medo."A. Cândido
                    
                                                                                                        


“Em verdade temos medo.
Nascemos escuro.
As existências são poucas:
Carteiro, ditador, soldado.
Nosso destino, incompleto.
(...)
E fomos educados para o medo.
Cheiramos flores de medo.
Vestimos panos de medo.
(...)
Nossos filhos tão felizes.....
Fiéis herdeiros do medo,(..)”  C. Drummond de Andrade

                                                                                                  

Simples como poucas coisas em nossa vida, o medo nos acompanha desde o nascimento. Um obstetra me sugeriu uma vez que para termos de novo a experiência do nascimento precisaríamos ficar de olhos vendados por uma semana, depois abriríamos os olhos contra a luz do sol ao mesmo tempo que mergulhássemos em uma banheira com água gelada, pois essa seria a sensação que se aproxima do nascer. Obviamente temos medo.
Quando bebês,  estando de costas e braços abertos, temos a impressão de que vamos cair. Somente com os braços juntos do corpo essa sensação desaparece. Com o passar do tempo esses medos desaparecem e dão lugar a outros, muito piores.
Seria inútil relatar toda espécie de medo que já se sentiu em todos os momentos da vida, desde o medo de morrer até o medo de perder aqueles que amamos pela morte. Ficar sozinho e doente, perder o emprego e incontáveis outros temores que nos assombram a cada dia.
Sobre isso vale uma reflexão. A maioria de nossos medos estão ligados a uma mudança de estado que nem sempre é objeto de medo em  si . Conforme crescemos, vamos tendo acesso a diferentes configurações de realidade que promovem desafios, esses desafios geram incertezas, naturalmente, e as incertezas, essas sim respondem diretamente pelos medos que sentimos.
O medo não decorre, então, dos objetos do medo. Uma casa velha, um bosque sóbrio, a noite, um uivo não trazem em si o medo, mas trazem a expectativa em relação ao incerto, ao desconhecido. Exemplo disso seria o nosso medo de uma guerra nuclear. O que nos apavora é a imagem do imenso cogumelo radioativo, a figura do terror e da destruição. Ora, uma guerra biológica seria muito mais aterrorizante se fosse compreendida de forma clara pelas pessoas. Uma bomba nuclear tem seu alcance limitado pela sua potência, enquanto um vírus não seria visto e portanto, não poderíamos calcular a exata extensão dos seus danos. Tomemos o caso do HIV. A AIDS não para de crescer em números de pessoas contaminadas, talvez porque o horror de uma lesão à mostra nem sempre esteja disponível.
O que mais interessa nesse capítulo é pensarmos o porquê de o medo nos paralisar. Geralmente os medos são piores que os fatores que o criaram. Muita gente se surpreende pela realidade de um vôo em comparação com toda a angústia que o antecedeu.
Cumpre lembrar que na prática existem dois tipos de medo: o medo racional que deriva da consciência plena dos riscos que se corre, como no caso de nos depararmos com um cão raivoso, rosnando para nós. É óbvio que há o risco e todos já vimos ou experimentamos um ataque.
Por outro lado há o medo de difícil justificativa, como o medo de trovões. Minha mãe nos colocava a todos sob uma forte mesa todas as vezes que se ouviam trovões estrondando na noite. Nunca soube de alguém que tivesse morrido vítima de um trovão. Medo de barata? Vampiros? Só pode explicar quem sente.
Só para se ter uma ideia, os hipopótamos matam muito mais pessoas que os temidos tubarões, mas não há nada como o terrível hipopótamo branco. Bicicletas fazem mais vítimas que aviões, cerca de 700 vezes mais.
Certa vez um renomado cirurgião cardiologista americano ouviu a seguinte pergunta durante um seminário: ” Porque as doenças do coração são a maior causa mortes ?”Ele respondeu:”Qual seria a sua doença favorita para ocupar o primeiro lugar?” Obviamente, não é motivo de orgulho para os cardiologistas que o coração esteja liderando a lista dos óbitos.
Podemos apostar que há cariocas que nunca foram assaltados, nem atingidos por balas perdidas durante toda a vida. No entanto, muitos brasileiros trocariam o Rio de Janeiro por uma cidade menos violenta. Muitas cidades pequenas já tiveram sua amostra de violência, nem por isso são um lugar ruim. Uma cidade japonesa, sem homicídios por cinco anos ficou chocada quando um homem, fora de si, esfaqueou alguém que nem conhecia num mercado.
Como agir diante do medo passa pelo cuidado inicial de se avalia se esse medo nasce de um perigo real ou simplesmente é um medo exagerado, sem fundamento prático. Ter medo de avião pode nos fazer tomar muito cuidado na escolha da companhia, seu histórico e padrão de qualidade dos aviões. Ou então ir de ônibus ou trem, caso seja possível.
Mas o que fazer com o medo irracional, aquele que povoa nossos pesadelos quando dormimos ou, muito pior, os pesadelos que temos acordados. Por muitas vezes sofri terrivelmente com dois medos combinados. O medo de meu filho se ferir e o descuido das pessoas com cães de aspecto aterrorizante, como pitbulls e rotweillers  - vale lembrar que qualquer vira-latas pode ferir gravemente uma pessoa e que há muito mito envolvendo algumas raças - , pois bem, toda vez que minha esposa saía com meu filho para um passeio de fim de tarde, vinha à minha mente o ataque furioso contra meus mais valiosos bens. Na verdade esse ataque nunca aconteceu e provavelmente não acontecerá.
Essa constatação não impediu minhas crises de pânico. Nesse caso precisei de ajuda profissional, um bom neurologista que me aconselhou algo ao simples que me surpreendi. Ele recomendou que eu me ocupasse com os problemas reais e deixasse de lado o que não passava de imaginação. Funcionou, mas foi doloroso e demorado o processo, pois de certa forma nos sentimos bem quando estamos com medo, parece que ficamos mais receptivos a palavras de conforto e até de concordância com o absurdo de nossos pavores.
Fiquei chocado quando soube de uma pessoa que havia tratado uma síndrome do pânico e, depois de curada, passou a apresenta uma nova forma de pânico: o pânico de ter pânico. Onde vamos parar? Haverá um limite ou podemos ter pânico ³ ?
Por que o medo nos apavora tanto? Talvez os medos nos mostrem muito aquém do que gostaríamos de ser. No fundo, gostaríamos de ser destemidos e admiramos sinceramente os que se arriscam. Mal sabemos que todos têm seu próprio medo. Provavelmente alguns pilotos de jatos militares tenham medos inconcebíveis como não conseguir se declarar a uma mulher, ou mesmo medo de falar em público. Um acrobata só enfrenta aquilo que não teme, o trapézio. Talvez ele tenha medo de mergulhar ou medo de noites de tempestade.
Acredito que, se todos conhecêssemos os medos uns dos outros, não haveria razão para termos vergonha de nossos medos, por mais ridículos que eles possam parecer. Conheci um sujeito que defendeu uma tese de doutorado, diante de pós-doutores que pareciam monstros feitos de sabedoria suprema, com relativa facilidade, ganhou até elogios dos deuses acadêmicos. Esse mesmo sujeito me confessou que gostaria de ter coragem para dizer ao pai o quanto o amava, apesar da difícil relação entre eles. Sei de empresários bem sucedidos que comandam centenas de pessoas com pulso firme, mas não conseguem conversar com os próprios filhos. 
Voltando ao início desse capítulo, gostaria de recuperar o que diz Drummond: Em verdade temos medo.(...)E fomos educados para o medo.”
É isso mesmo, temos medo, isso é um fato, não somos melhores nem piores que os outros, nossos medos não são mais ou menos ridículos, são simplesmente nossos medos, que devem ser pensados, discutidos, se preciso, tratados, mas nunca ignorados ou vistos como um defeito, uma deficiência. Todo problema ou dificuldade começa a se resolver a partir do momento que aceitamos a sua existência de forma tranquila e nos dispomos sinceramente a cooperar para a solução.
Como professor vivi vários episódios em que meu trabalho foi para o ralo, aulas preparadas com carinho e dedicação fracassaram completamente. Alunos jovens e sedentos por ma disputa de território destruíram completamente o trabalho de um dia todo.
Tudo isso começou a mudar quando eu passei a assumir perante a classe que eu não poderia motivá-los sem que eles cooperassem, passei a falar abertamente do quanto é frustrante quando não conseguimos executar uma tarefa sob nossa responsabilidade. Desde que aceitei que não era um professor dos filmes  - Ao mestre com carinho – como às vezes desejamos ser, mas simplesmente alguém com boa vontade e uma necessidade de colaboração, parece que ficou mais fácil, ou menos assombroso,  encarar um grupo de adolescentes com a missão de levá-los a considerar a leitura como uma opção válida de entretenimento sadio, concorrendo com a TV, o mp3 e internet. 
Imagine como seria mais fácil para um chefe se tivesse a tranquilidade de dizer a seus subordinados que ele, chefe, precisa mais deles que eles dele; dizer que seu posto exige dele a condição de servir ao grupo, não de escravizá-lo; assumir que seu mais importante papel é conseguir que todos deem o melhor de si para si , não para ele.     

segunda-feira, 17 de dezembro de 2012


Capítulo 7 – Para explicar melhor o capítulo 6

“A dúvida é o principio da sabedoria”. Aristóteles
                                                                                              

Certa feita, o doutor Sigmund Freud acabava uma de suas palestras quando uma senhora aproximou-se dele e perguntou qual seria a melhor maneira de educar seu filho. Freud disse-lhe para educar a criança de qualquer jeito, pois iria inevitavelmente errar.

Faço aqui um relato que surpreendeu pesquisadores americanos que estudaram a influência do comportamento dos pais nas escolhas dos filhos. Nessa pesquisa foram entrevistados dois irmãos gêmeos que, aos 25 anos tinham seguido caminhos muito diferentes. Um deles estava fazendo pós-graduação em Harvard, era um cientista.O outro aguardava a execução no corredor da morte, era um homicida.

Quando perguntados sobre os motivos de estarem onde estavam, ambos deram, curiosamente, a mesma resposta: “Sendo filho de um pai alcoólatra e usuário de drogas que espancava a esposa e os filhos constantemente, não havia outro caminho a seguir a não ser esse”.

Seria estupidez acreditar que para  se conseguir um doutor de Harvard os pais deveriam usar drogas e espancar a esposa e os filhos. Mas seria ingenuidade acreditar que só filhos espancados pelos pais são levados para o crime.

 Escrevi isso porque talvez tenha ficado ao atento leitor uma sensação de desconforto quanto ao que se leu no capítulo anterior. Seu bom senso o faria pensar que o autor desse texto defende a aceitação e a prática  de maus-tratos. Vamos corrigir isso imediatamente e esclarecer que:

• Os métodos que são eficientes na educação de uma criança não serão necessariamente bem sucedidos na educação de outra criança. Cada pessoa responde de forma diferente aos estímulos ou às repreensões recebidas;

• Numa mesma família, há filhos que se orientam facilmente pelo diálogo, outros podem necessitar de um discurso mais austero, outros podem perceber onde erraram somente quando deixados a sós, consigo mesmos, naqueles 15 minutos de reflexão forçada no silêncio do quarto. E finalmente há aqueles que a orelha não ajuda que se ouça e compreenda uma mensagem. Para esses,talvez, um puxãozinho nessa orelha possa lembrar  que ela existe.

• Não conheço ninguém que goste, aceite ou compreenda um constrangimento, pois essa é uma experiência extremamente desagradável;

• O vexame só tem algum efeito positivo se faz a pessoa ver a si mesma na sua pior forma, para que ela queira buscar a sua melhor versão;

• Nada de bom advém de uma intenção maligna. Se os pais acreditavam que a humilhação colocaria seus filhos no caminho do bem e da verdade, isso vinha de um zelo só decorrente do amor, por mais severo que parecesse;

• Ninguém pode educar a partir  da violência, agressões gratuitas, injustas e desmedidas devem ser banidas de uma sociedade civilizada. Minha mãe dizia que suas palmadas no traseiro nos empurravam para a frente e seus puxões de orelha nos levavam para o alto. Bela justificativa.

• Na maioria das vezes, e infelizmente, nossos políticos não servem de referência moral, pois já perderam a sensibilidade necessária para envergonhar-se. Os poucos que lá estão, preservados, devem ter vergonha, sim, de serem honestos, como diria nosso Rui Barbosa.

• Transformar um vexame em um aprendizado não é fácil, nem rápido, muito menos indolor. É preciso praticar a humildade com paciência e amor próprio. Ser humilde não significa ser inferior, mas ter consciência plena e tranquila de seus limites e de suas incertezas.

• Vivemos tempos em que se idolatra a beleza e o poder, em que a vaidade cega as pessoas e as afasta da consciência crítica. É urgente resgatarmos a famosa “vergonha na cara”, que formou gerações de pessoas responsáveis e que demonstravam respeito aos seus pares. Hoje a vida parece significar muito pouco, especialmente a do outro.

Enfim, não precisamos ter vergonha de ter vergonha, pois ter vergonha significa que temos a capacidade de buscar referências, perceber como e por que erramos e, principalmente, a vergonha nos motiva a rever posicionamentos.

            A atriz Cássia Kiss, que há alguns anos, depois de assumir publicamente que quando jovem realizou um aborto ilegalmente, aderiu às campanhas de orientação para a preservação da vida e para o aleitamento materno, inclusive amamentando seu filho em uma bela e rica demonstração de reelaboração de  atitudes.

            Como pais e educadores, viveremos sempre o dilema de educar. Sempre acharemos que fomos duros demais ou complacentes demais com aqueles sob nossa responsabilidade. Há muita diferença entre ser bom e ser justo. A justiça não supõe bondade, supõe equilíbrio.

            Quantos desequilibrados andam por aí, causando dor e sofrimento a si e aos outros – são depredações de patrimônio, espancamentos de mendigos, atropelamentos, roubos, assassinatos, agressões nascidas de preconceitos, abusos e crimes contra a própria família – não poderiam ter sido melhor orientados quanto aos danos que seus comportamentos iriam trazer a eles e aos outros no futuro.

A criança mal intencionada e de instintos destrutivos, protegida por uma lei que proíbe que ela leve umas boas e educativas palmadas, se tudo correr mal,será um bem sucedido agressor de seus próprios pais, de seus filhos e de quantos mais estiverem em seu caminho.

terça-feira, 11 de dezembro de 2012



Caro leitor, imagino que esse capítulo possa parecer um tanto quanto politicamente incorreto. Por essa razão, tenha calma até que o cap. 7 seja publicado, pois tudo se explicará.


Capítulo 6 – Vexame e Constrangimento


“Naquela hora, chegaram-se a Jesus os seus discípulos, dizendo: Quem é o maior no Reino dos Céus? E Jesus, chamando um menino, o pôs no meio deles e disse: Na verdade vos digo que, se não fizerdes como meninos, não entrareis no Reino dos Céus. Todo aquele, pois, que se humilhar e se fizer pequeno como este menino, esse será o maior no Reino dos Céus. E o que receber em meu nome um menino como este, a mim é que recebe”.  Mateus, XVIII: 1-5
                                                                                                         
 E, se a tua mão direita te escandalizar, corta-a e atira-a para longe de ti, porque te é melhor que um dos teus membros se perca do que seja todo o teu corpo lançado no inferno” Mateus, V: 27-30
                                                                                                         

O dicionário nos esclarece que vexame significa humilhação e sentimento de vergonha, já constrangimento significa perda de liberdade e também o sentimento de vergonha. Todos aqueles que lerem essas linhas, provavelmente já experimentaram essas duas situações mais de uma vez.
Nosso viver dos dias nos obriga às mais diferentes realidades, contatos com pessoas muito diferentes de nós, pessoas que se consideram e, em alguns casos,  são superiores a nós em termos sociais, intelectuais e econômicos.
Geralmente, somos imobilizados pelos sentimentos de vexame ou constrangimento porque eles abalam nossa autoestima, fazem-nos pensar que somos de fatos inferiores. Somos projetados para baixo, desejamos não estar ali ou simplesmente evaporar para escapar desse momento.
Só falta agora tentar convencer o leitor de que o vexame e o constrangimento podem ter algo a acrescentar de positivo na vida de alguém. Vamos lá, um pouco de paciência sempre faz bem.
Recentemente um “nobre” senador do Brasil foi advertido publicamente pelo conselho de ética do senado por desvio de verbas de campanha. Esse homem, adulto, figura pública, foi advertido por apropriação indébita de recursos em rede nacional com a possibilidade de estar sendo assistido por sua esposa, filhos e talvez até seus netos. Esse homem chegou a declarar que em toda sua vida jamais tivera a experiência de ser repreendido em público, nem mesmo pela sua mãe.
Sem dúvida, um imenso vexame e um constrangimento que levou este homem às lágrimas, ao que pareceu,  sinceras.
Esse fato tem aspectos curiosos a serem levados em conta. Primeiramente digamos que apropriação indébita é, para a gente comum, o mesmo que roubo, nosso nobre senador é de fato um ladrão. A advertência que o levou às lágrimas só conseguiu isso dele, pois nenhum centavo dos milhões que ele roubou foi devolvido. Mais, a rede nacional da TV Câmara tem muito pouca audiência, modesta seria até um elogio. 
O mais intrigante e ao mesmo tempo esclarecedor é o fato de ele ter dito que nunca havia sido constrangido em público durante toda sua vida.
Talvez, se a mãe o tivesse feito sentir vergonha por algum desvio de conduta, quando criança, esse cidadão não teria se sentido tão à vontade para roubar da forma como roubou, nem teria se chocado tanto com uma advertência que só lhe custaria um arranhão na sua vergonha na cara, se ele tivesse alguma vergonha a ser arranhada.
Parece ser um discurso generalizado e perigoso aquele em que se proíbe que qualquer criança ou jovem seja vítima de um constrangimento ou vexame. Obviamente que ninguém deveria publicamente ser humilhado por motivo fútil ou simples maldade, um simples desejo de machucar os sentimentos de alguém – não se pode admitir que alguém zombe de uma criança por esta estar mal vestida, ou por apresentar alguma dificuldade ou limite que a impeça de viver dentro do mais justo conceito de cidadania – mas chegamos ao extremo oposto de sugerir que uma resposta errada em um exame escolar não fosse assinalada com caneta vermelha, já que nota vermelha implica reprova, uma nota abaixo da média. Para alguns sábios doutores, a caneta vermelha causaria constrangimento ao aluno, mesmo que se reconheça que um zero com caneta azul valeria tanto quanto.
Ora, mostrar a alguém o seu real desempenho não tem nada a ver com vexame ou constrangimento. É parte do processo de se aprender.
Ainda dentro do extremo oposto, já fui aconselhado a nunca dizer a uma criança que ela está mentindo, mas que está faltando com a verdade. Eufemismo que deseduca, encapsula, aliena e corrompe o sentido real do ato.
Aliás, um grande palestrante espírita, Divaldo Pereira Franco,falando sobre a mentira, afirmou que em todos os seus mais de 80 anos de vida aprendera que a mentira é um fato na vida do homem.
A criança mente por excesso de imaginação – “conversei com o pato Donald”, por exemplo - o que é uma qualidade do ser. Mais tarde ela mente por conveniência  - “não fui eu quem quebrou isso” – proteger-se, para ela, justifica a mentira. 
Mais tarde ela mente para obter vantagens ou figurar como esperto – “juro que não estava fumando” – a mentira não é só uma necessidade, mas uma opção consciente.
Por fim o adulto mentirá por absoluta falta de caráter, o caráter que as mentiras inocentemente impunes acabou por deteriorar-se de forma irreversível.
Lembro que numa ocasião, um de meus irmãos mais velhos, por volta dos treze anos, apropriou-se ou roubou um brinquedo da casa de um amigo. Ao ser pego de posse do brinquedo, não soube explicar sua origem, argumentou que era um presente do amigo.
Minha mãe, que era uma educadora dos rudes tempos  mais antigos, levou- o até a casa do amigo e, na frente do amigo e outros convidados especiais – umas quatro ou cinco pessoas - teve de assumir o malfeito. Depois do vexame, além da semana sem sair de casa, meu irmão nunca mais apropriou-se de nada que pertencesse a outra pessoa.
Hoje é um homem correto, paga suas contas em dia e educa seus filhos mais ou menos no mesmo sistema da nossa mãe, mesmo que isso lhe custe a antipatia dos  mais complacentes e permissivos em questões de moral e comportamento.
Em tempo: enquanto escrevo, ouço na TV que foi aprovada a lei que proíbe que os pais deem palmadas  em seus filhos. Poderiam aproveitar e aprovar uma lei que proíba os filhos de darem surras em seus pais. Como professor, testemunhei  com tristeza o depoimento de pelo menos três pais que eram vítimas das agressões físicas de seus filhos. Não é necessário muito esforço para perceber que se um tapa do pai no filho pode constranger a criança, um filho que bate nos pais é caso, isso sim, de polícia.
Gostaria de concluir esse capítulo lembrando uma célebre orientação que Cristo dá acerca do melhor modo de se portar em um banquete. Diz o sábio mestre que devemos procurar o lugar menos importante da mesa, pois o máximo que poderia nos acontecer, seria sermos chamados para mais perto do anfitrião, o que nos  honraria.
Por outro lado, se nos sentarmos próximo ao anfitrião, poderemos ser convidados a ceder nosso lugar para alguém mais importante que nós, vexame que pode ser evitado. 

sábado, 1 de dezembro de 2012


                                           

Capítulo 5- “Aquila non captat muscas”  (A águia não caça  moscas)


Para ser grande, sê inteiro: nada  teu exagera ou exclui.
Sê todo em cada coisa. Põe quanto és no mínimo que fazes.
Assim em cada lago a lua toda brilha, porque alta vive”. F. Pessoa
                                                                                                                            

Antes de pensarmos na leitura do provérbio latino citado acima, gostaria de dizer que a águia é um dos animais mais fabulosos na natureza. Suas qualidades físicas surpreendem qualquer um que as conheça. A visão apurada, sua força e habilidades de caça são fantásticas. Águias caçam e pescam, com uma precisão incrível, presas muito grandes, realmente desafiadoras - circulou durante algum tempo um vídeo em que uma águia com quase dois metros de envergadura capturou um filhote de carneiro montês – mas isso tudo ainda não é o que mais impressiona nesses animais.
Quando uma águia põe mais de um ovo, assim que o primeiro filhote aparece, a águia descarta imediatamente o outro ovo. Caso dois filhotes surjam ao mesmo tempo, ela sacrifica o mais fraco para alimentar o mais forte.
Cuidado! Essa característica da águia pode sugerir que nossos filhos não sejam exatamente nossos descendentes, podem ser projetos e sonhos que nutrimos durante a vida, nesse caso, sim, é importante saber sacrificar coisas menos importantes para garantir a sobrevivência das grandes  – a tarde de descanso ou a companhia dos amigos pode muito bem dar lugar a um bom estudo que antecede uma tarefa sob nossa responsabilidade.
Voltando às águias, há uma história de uma espécie desse animal que em determinada época de sua vida executa um ritual assustador. Essa espécie alimenta-se bem e recolhe-se numa espécie de exílio, no qual ela arranca as próprias penas, as garras e, por fim, quebra o bico contra uma rocha, e espera... O quê? Depois desse suplício doloroso, o que pode essa ave esperar de sua vida?
Ela vai esperar que novas penas, novas garras e um novo bico cresçam e dessa forma ela terá mais um ciclo de vida com força total para manter-se viva com qualidade. Surpreendente, não?
Quem tem a coragem de quebrar todas as suas ferramentas, todas as suas armas de combate? Quem aposta que ao perder tudo, tudo lhe será restituído como antes era? Quem de nós consegue abrir mão das fórmulas que deram certo, embora perceba que estas mesmas fórmulas estão desgastadas e produzindo menos do que costumavam produzir?
A história que relatei pode muito bem ser uma mentira. Nunca vi uma águia dessas, nunca assisti a esse fenômeno, muito menos presenciei sua recuperação. Mas adoraria que fosse verdade, pois essa história é motivadora, inquietante, um desafio para a nossa percepção. Talvez, no meu íntimo, eu admire a coragem dessa águia ao apostar num futuro incerto.
Vamos voltar ao título desse capítulo e pensar o provérbio “Águias não caçam moscas”. Quem é a águia, senão aquela que se movimenta acima do que procura, acima do que necessita? Passou a vida inteira treinando para não desperdiçar um ataque. E, principalmente, não desistiu quando falhou, pois a continuidade do esforço era a garantia da continuidade da própria vida.
Se de seus esforços depende sua existência, o melhor é procurar por algo que valha a pena. Moscas não poderiam nutrir uma ave tão grande quanto a águia. Mesmo que pudesse e quisesse caçar moscas, certamente as moscas não exigiriam dela todo seu potencial, todo o seu desempenho.
Não duvide que na caça há a satisfação de se ter vencido com o esforço próprio um prêmio merecido. Um documentário sobre leões africanos revelou que um leão tem pouca habilidade em atacar uma zebra se ela estiver caída, afinal ele aprendeu a vencer sua presa sob condições que exigem força, agilidade e precisão.
Todos nós já tivemos a oportunidade de conhecer alguém com essas características. Desde a criança que quer alcançar um brinquedo sem a ajuda dos pais, até o jovem estudante, cheio de brio, que prefere uma nota menor como resultado de um trabalho honesto ao 10,0 obtido mediante a fraude da cola.
Ser como as águias implica aceitar e promover mudanças radicais em nosso modo de viver e de pensar. Há  mais ou menos dez anos antes de escrever esse livro, fui aprovado em um concurso público para um cargo no judiciário. Isso me animou muito, pois o salário era bom e a garantia do emprego público estável preenchia uma lacuna de incertezas quanto ao meu futuro profissional.
Mas tudo virou pó. Esperei durante quatro anos pela tão sonhada vaga, que não veio. O prazo de contratação expirou exatamente quando eu era um dos cinco próximos a serem convocados. Foi um dia triste. Achei que havia perdido a grande chance de minha vida. Hoje, porém, estou certo que essa perda exigiu que eu me acostumasse a viver com tranquilidade as incertezas que o futuro nos dá como única garantia.
Parte da nossa serenidade - curiosamente sinto que essa palavra está tão em desuso! – parece se formar não a partir de certezas, mas da consciência tranquila de que não há nada de ruim nas incertezas, pois essas mesmas angustiantes incertezas nos fazem ativos e sensíveis às mudanças que certamente virão.
Um caso desses eu presenciei quando um índio xavante dava uma espécie de entrevista a alunos dos cursos de História e Psicologia na Unesp, no campus de Assis-SP. Quando perguntado por que os índios não se preocupam em deixar bens ou posses aos seus filhos, o índio respondeu tranquilamente que não havia motivo para essa preocupação porque a terra havia garantido a existência de seus avós e de seus pais, tanto quanto garantia a sua própria existência. Daí que não há razão para se pensar que a terra não daria meios de sobrevivência a seus filhos.
Simples assim. Aliás, quando perguntado se deixaria uma casa para ajudar seus filhos a começar a vida adulta, o índio disse que nada o faria tirar de seu filho o prazer de construir sua própria casa. Caso a se pensar.

terça-feira, 27 de novembro de 2012



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Capítulo  4 – De onde vem a ideia de bom ou ruim?

“O que não é Deus, é estado do demônio. Deus existe mesmo quando não há. Mas o demônio não precisa de  existir para haver”.G. Rosa
                                                                                                                         
O pensamento maniqueísta norteia a realidade da maior parte das pessoas. É maniqueísta todo aquele que partilha da concepção do mundo dividido entre o Bem e o Mal. De um lado estão Deus, a luz, a verdade, a bondade e a alegria. De outro estão o Diabo, as trevas, a mentira, a maldade e a tristeza. Dito assim parece muito fácil decidir o que se quer. Ou se está na galeria das pessoas boas ou corre-se o risco de ir para o fogo eterno.
Convém lembrar alguns riscos que essa concepção oferece àqueles que querem respostas simples e diretas para seus questionamentos.
Primeiramente, nem todo aquele que faz o bem tem plena consciência disso, uma pessoa boazinha pode ser simplesmente alguém que prefere não dizer o que pensa, nem discordar dos que a cercam, para garantir uma área de segurança e estabilidade emocional.
Também seria ingênua a ideia de que toda pessoa que nos desagrada é mal intencionada. Pode ser que uma sincera preocupação em relação a nós a obrigue a nos dizer verdades que preferiríamos não ouvir. O grande orador do Barroco, Padre Antônio Vieira, afirmou certa vez que quando saía feliz depois de uma missa, isso era porque o padre só havia dito o que ele queria ouvir. Se padre falasse o que ele devia ouvir, ele ficaria triste consigo mesmo, pois perceberia o quanto estava distante daquilo que Deus espera dos homens.
Talvez os dias melhores que tanto queremos possam se tornar reais a partir de uma mudança de perspectiva em relação ao que vivenciamos diariamente. Quem aponta nossos limites e imperfeições pode até não gostar de nós, mas certamente está prestando um grande serviço ao nos indicar caminhos para sermos melhores.
Invertendo as posições, comumente nos vemos aconselhando as pessoas para que seus problemas sejam sanados, obviamente sem sucesso, pois ninguém escuta senão a própria voz, que pode simplesmente coincidir com nossos conselhos. A história registra um dos mais sábios provérbios quando diz que “Se conselho fosse bom, não se dava, seria vendido.”
Decorre dessa circunstância um motivo claro para algumas das frustrações: Ninguém nos ouve, e depois acabam tendo problemas que seriam facilmente evitados com nossos “sábios” conselhos. Há duas grandes verdades a se considerar quando nos vemos diante de situações como essa.
Todas as pessoas tendem a melhorar na medida em que ficam mais experientes, mesmo que essa evolução seja lenta e por vezes irritante, cada um amadurece no seu ritmo, e não é nossa responsabilidade a evolução do outro. Entenda-se aqui que podemos e devemos ajudar quem quer ser ajudado, apenas não leva a nada nos importarmos com quem não se importa consigo mesmo.
Uma segunda consideração é a de que somos criados para vencermos e sermos adorados por todos. Ficamos muito deprimidos quando percebemos que alguém não gosta de nós. Ora, admitir que não podemos agradar a todos é um raciocínio saudável e construtivo, afinal, tudo o que desejamos é ter a liberdade de gostar do que e de quem mais nos apraz. Em resumo, quem não é exatamente um fã pode mesmo assim contribuir para nosso crescimento individual.
Finalmente cumpre lembrar que na cultura chinesa há um símbolo elementar para uma melhor compreensão dos elementos que se opõem na configuração geral do mundo, das sociedades e dos homens:
 Yin-Yang
As oposições se interpenetram revelando as diferenças, o dinamismo e o equilíbrio entre os elementos. Por extensão, podemos avaliar os fatos entendendo a princípio que tudo deve ser pensado enquanto parte de um todo que precisa de equilíbrio. Fatos negativos, que nos frustram, fazem parte de um universo de possibilidades no qual nada pode ser descartado, nada é verdadeiramente inútil.

segunda-feira, 12 de novembro de 2012





Capítulo 3 – E se não der certo? De quem é a culpa?
 “A principal e mais grave punição para quem cometeu um erro está em sentir-se culpado”. Sêneca
                                                                                                                                 
Talvez a palavra mais tenebrosa, sombria e devastadora na mente de uma pessoa de bem seja a palavra culpa. Ela garante que o erro se perpetue como principal preocupação. Não se tenta mais acertar, mas tenta-se desesperadamente não errar.
Sempre procuramos ver onde erramos e não onde acertamos por razões simples: é culpa do erro as coisas não darem certo. E acreditamos verdadeiramente que quando algo vai mal isso é ruim, sem nos darmos ao menos a oportunidade de refletir sobre o porquê das coisas não acabarem como desejamos.
Há algo mágico que não percebemos naquilo que não se realiza. Um antigo dito oriental diz que Deus é tão sábio que nem sempre nos dá o que pedimos, mas o que precisamos. Imaginemos se fôssemos atendidos quando rezamos a oração do Pai Nosso,  especialmente no trecho em que se diz “Perdoai as nossas ofensas, assim como nós perdoamos a quem nos tem ofendido”. Se Deus nos atender e nos perdoar da mesma forma como perdoamos a quem nos ofende, estaremos condenados para sempre.
Quem de nós perdoa, na mesma proporção em que deseja ser perdoado?
Por mais que se procure, não se encontrará uma só pessoa que não queira ser feliz e fazer as coisas certas. Quem acaba infeliz, errou tentando acertar. Não acertou porque não estava pronto para isso, e acabou parando no erro, sem tentar de novo. Fracassar  custa muito caro, nossa autoestima, nossa imagem, nossas emoções, tudo padece quando falhamos, temos a nítida impressão de que refazer é impossível.
As famosas pastilhas cerâmicas imantadas, que fazem os trens flutuarem sobre os trilhos,  foram testadas em centenas de fórmulas diferentes. De todas as tentativas, só uma funcionou. As outras foram arquivadas para os cientistas nunca se esquecerem de como não acertar.
A ideia de culpa está ligada à expectativa que temos em relação aos outros  e a nós mesmos. Esperamos que todos entendam o que somos, o que queremos e o que fazemos. Custa muito admitir as falhas dos outros e principalmente a nossa. Se os erros forem considerados o fim da linha, então as coisas se complicam muito.
Empresas vão à falência e casamentos são destruídos especialmente porque alguém tem alguma culpa, sempre temos o responsável por tudo acabar mal, não importando o quanto a pessoa foi verdadeira em suas boas intenções.
A maioria das pessoas já se dá por satisfeita se descobrir quem errou e como errou. Geralmente as pessoas param no erro, sem repensar o que levou ao erro e que poderia conduzir a uma ação mais acertada.
Uma recente pesquisa de dois estudiosos brasileiros revelou algo curioso sobre o sentimento de mágoa. A pesquisa entrevistou centenas de pessoas perguntando o que mais as magoava em seu cotidiano, numa lista de vários itens em que constava, entre outras razões para as decepções, o trabalho, a família, a morte, as guerras e os amores.
Surpreendentemente, os mais jovens colocaram em primeiro lugar o namoro e em segundo lugar a relação com os pais como as principais e maiores razões de suas angústias. Por outro lado, adultos casados colocaram seus filhos como a última causa de seu sofrimento emocional.
Esses dados comprovam dois fatos curiosos: quando jovens,nós temos maior tendência a sofrer nas situações  que implicam proximidade afetiva e alto grau de expectativa, no caso dos nossos pais e das pessoas com quem nos relacionamos afetiva e ou sexualmente. Esperamos muito das pessoas mais íntimas por julgarmos que elas têm a obrigação de satisfazer nossos anseios.
Por outro lado, o tempo  e a experiência que os pais têm a mais podem ajudar a perceber melhor a natureza dos conflitos que decorrem das frustrações em relação aos que amamos de forma mais intensa.
Daí chegamos a um ponto fundamental na questão das frustrações e da  culpa decorrente dessas frustrações: É a nossa perspectiva emocional que interfere no julgamento dos fatos e acaba determinando que sejam percebidos como bons ou ruins. Nossa compreensão do mundo e das pessoas é direcionada especialmente pelas nossas emoções, o que não é exatamente mau, mas definitivamente limita o alcance de nossa percepção de tudo quanto acontece ao nosso redor.
Para ilustrar isso, basta lembrar de um fato ocorrido nos anos 80, quando a uma empresa fabricante de bombons encomendou uma pesquisa para saber por que as vendas de seu produto  – uma caixa com bombons de vários tipos – haviam caído. A embalagem, na época, era vermelha.
Depois de um levantamento que incluiu uma pesquisa de preferência, descobriu-se que o produto vendia pouco por causa da embalagem vermelha, que parecia excessivamente feminina para os compradores homens. Trocou-se a cor por azul e as vendas  cresceram.
O problema não estava no produto, elemento mais importante, pois ninguém comia a caixa, mas sim na embalagem. Às vezes o problema não está exatamente no que somos ou queremos, mas na forma como isso é visto pelas pessoas.
Quando adolescente, eu já trabalhava e tinha dinheiro suficiente para bancar meus modestos gastos. Porém um dia, por descuido, fiquei sem dinheiro para pagar uma conta que venceria antes do pagamento e pedi ao meu pai a quantia de que necessitava a título de empréstimo. O que ele me disse foi que eu era irresponsável por não cuidar bem do meu orçamento e que ele não era responsável pela minha desorganização.
Acabou me emprestando o dinheiro, mas fui ameaçado de uma surra caso algum cobrador viesse até minha casa por qualquer que fosse a dívida. Eu tinha 14 anos e odiei sinceramente a rigidez e  rispidez com que fui tratado pelo meu próprio pai, mas hoje penso que esse tratamento não foi diferente daquele que a vida e a sociedade dá aos devedores, além de que, hoje, entendo que a angústia de viver endividado seria muito pior que aquela bronca desmedida para um jovem de 14 anos.
Situações ruins que vivenciamos podem se reverter em noções fundamentais para a manutenção de uma vida mais equilibrada e serena no decorrer dos anos.